Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Pontes sobre a Vida

Foto: Cezar Duarte

Há um tempo tive a oportunidade de estar em Manaus, na Amazônia.  No trajeto de taxi me surpreendi com o numero de pontes e viadutos em construção pela cidade, em cruzamentos importantes. O mesmo aconteceu em Belo Horizonte, onde a construção de novas vias rápidas é acelerada pelo fato da Copa ter uma de suas sedes na capital mineira. O privilégio dado aos automóveis em nossas cidades farão explodir a necessidade de viadutos e pontes  em nossas estruturas urbanas.

No Rio de Janeiro temos a discussão em prol da demolição, por sua alegada feiúra, da Avenida Perimetral, um grande viaduto e via expressa que circunda o Centro do Rio, por uma Prefeitura que permitiu a construção de uma combinação de ponte/passarela/estação de Metrô, das mais horríveis, em frente a sua sede na Cidade Nova.

Pontes e viadutos são itens polêmicos.  Seus autores, arquitetos e engenheiros, comumente as chamam de "obras de arte". Em alguns casos o são, pela sua sofisticação de concepção e construção. Entretanto, na sua maioria, nestes tempos modernos, são na realidade verdadeiros arremedos de obras funcionais, que somente tem aspecto aceitável quando inauguradas.  Na verdade, das obras públicas existentes as pontes e viadutos são as mais relegadas a um segundo plano. Sem manutenção adequada passam a atrair pichações, moradas de mendigos, fogueiras e depósitos de lixo ou mesmo cracolândias, como em episódios mais recentes vistos na mídia. No Rio a administração atual encheu essas áreas de pedras pontiagudas com o intuito de dificultar os desabrigados que ali procuram refúgio. A expressão “dormindo em baixo da ponte” é considerada popularmente a forma mais baixa da condição humana.

Dificilmente uma ponte ou viaduto são pintados, limpos, ou recuperados em sua parte inferior. Dificilmente é dada outra função para a parte coberta pela ponte ou viaduto, a fim de espantar os habitantes de rua que a freqüentam durante a noite ou em dias de chuva. Poucas têm iluminação adequada, que permita aos moradores ou freqüentadores da região usufruir de uma área coberta e protegida das intempéries. Há um caso de uma escola de samba no Rio de Janeiro que se apropriou de uma área sob um viaduto e utiliza para ensaios que são muito concorridos, mas é um caso único. Quando se projetam sobre rios as pontes se transformam em verdadeiras arapucas de lixo, galhos, sofás e tudo o mais que jogamos em seus leitos, de forma irresponsável. Durante a administração anterior da Prefeitura do Rio houve uma tentativa de abrigar cooperativas de catadores sob os viadutos da cidade, que foi abortada sem que soubéssemos os motivos.

Já é tempo de nossos engenheiros, arquitetos, paisagistas e construtores comecem a pensar e resolver o que fazer “embaixo da ponte”. Como mantê-las, utiliza-las, conserva-las, habita-las, valoriza-las ou ocupa-las, no mínimo embeleza-las. Garanto que se uma ponte, ou viaduto, fosse projetado e construído, aqui no Brasil, com a autoria do arquiteto espanhol Santiago Calatrava, seria considerada obra de arte, ícone da região, atrativo de turistas e teria equipe permanente de manutenção. Não estamos advogando que isso aconteça com todas as pontes e viadutos, mas sim que os que decidem sobre sua construção pensem o que fazer para ir além da utilidade funcional das pontes e viadutos, determinando o que acontecerá com sua parte inferior de forma permanente. Afinal não podemos desperdiçar dinheiro público na construção de algo cujo destino é ser implodido em administrações futuras, em nome da estética ou da necessidade de uma nova obra que a substitua, que pode ser um “mergulhão”, destinado a ser mais horroroso e perigoso ainda.

O profeta Gentileza, figura folclórica carioca, sabia o que estava fazendo quando resolveu, nos anos 80 decorar com seus escritos os mais de 50 pilares da Perimetral,  viaduto extenso nos arredores da Estação Rodoviária do Rio de Janeiro.

 As transformou em obras de arte, no sentido literal!
Vamos ver até quando elas resistem!!!

Texto não publicado.


Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009