segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Pioneiros e mestres

Tive a oportunidade recente de contribuir com a Bienal Brasileira de Design 2010. Participei da curadoria do segmento “Bienais de Design - Primórdios de uma ideia” – uma retrospectiva das bienais de design já ocorridas no pais, o que me permitiu um pequeno exercício de reflexão sobre o que temos de pioneirismo em design neste pais, e para o qual não nos damos conta.


Nos anos 60 fomos pioneiros na América Latina em criar um curso superior de design adotando o modelo da escola de ULM, o que de mais avançado existia na época, mesmo contra todos os prognósticos dos críticos desta iniciativa. No momento da formatura dos primeiros profissionais brasileiros já tínhamos uma associação nacional de fomento à profissão e a atividade, a ABDI, e já discutíamos a possibilidade da regulamentação da profissão como forma de afirmação nacional desta atividade. Desta mesma forma fomos pioneiros absolutos em realizar Bienais de design, já que não havia exposição semelhante e deste porte realizada anteriormente em outros países.


Em 1968, por iniciativa de dois designers fundadores da ESDI, Karl Heinz Bergmiller e Goebel Weyne foi criada a “Desenho Industrial 68 – Bienal Internacional do Rio de Janeiro, uma exposição emblemática da produção nacional e internacional deste setor. Na época, já era patrocinada pelos Ministérios da Indústria e do Comercio, das Relações Exteriores, da Fundação Bienal de São Paulo, além da ESDI, da FAU/USP e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. A união destas entidades em promover e patrocinar uma iniciativa deste gênero era fruto do crença que o design teria um papel preponderante no desenvolvimento do pais, seja atendendo às necessidades de nossa sociedade, seja exportando nossa “espertize”, nossa inteligência projetual, seja afirmando a nossa cultura material, em comparação com o que se fazia nos países desenvolvidos. Exatamente igual ao que estamos tentando nos dias de hoje, mais de 40 anos depois, coincidindo com a época da Bienal Brasileira de Design 2010.


Estamos aos poucos nos dando conta do pioneirismo de nossos mestres, e de sua importância para a história do design no Brasil. Alguns deles infelizmente não estão mais entre nós, responsáveis que foram, e são ainda, pela implantação pioneira desta atividade que se firmou como colaboradora efetiva do desenvolvimento nacional, agregando de diversas formas valor à vida brasileira. Temos que reconhecer que em paralelo ao trabalho dos fundadores da ESDI, Aloísio Magalhães, Alexandre Wollner, Karl Heinz Bergmiller, Goebel Weyne: dos criadores da sequência de disciplinas da FAU/USP João Carlos Cauduro, Ludovico Martino, Lucio Grinover, Julio Katisnsky, dentre outros, houve a contribuição efetiva de pioneiros regionais e localizados, como por exemplo, Ronaldo Rego, Guilherme Bender, Rubens Sanchotene e Jorge de Menezes que foram justamente homenageados por seu trabalho pioneiro no Paraná, com exposição e livro durante a Bienal 2010. Estes foram, sem duvida, os mestres de muitos que transformaram a cultura visual e material daquele estado nos últimos anos.

Felizmente, a cultura do design se alastrou por todos os cantos do Brasil, e não apenas nas grandes capitais, o que não explica o numero de mais de 500 cursos que temos espalhados pelo pais, que esperamos assegurarão a difusão do trabalho de qualidade de outros mestres e pioneiros entre os atuais alunos e os recém formados deste cursos. Essa historia precisa ser preservada e as Bienais de Design, retomadas recentemente são um excelente veiculo para isso.

Que continuem assim para o bem de todos nós!

quarta-feira, 3 de março de 2010

Pretos, pratas e amarelos




O Brasil é um país colorido e temos consciência disso. Nossa fauna e flora, a natureza, nossa bandeira, nosso carnaval e a cultura popular são exemplos de cor e de personalidade. Entretanto quando percorremos as ruas de nossas cidades há uma característica que nos chama atenção: todos os nossos automóveis ou são pretos ou pratas. Há uma uniformidade tão radical na preferência de nossos motoristas que contradiz completamente nossa origem tropical e multicolorida. Mesmo as outras cores disponíveis nas cartelas das montadoras são variações muito próximas do preto, ou do cinza e prata. Há ainda um branco ou um vermelho frequentando estas cartelas mas que não são, definitivamente, as preferências nacionais.

Houve um tempo, na primeira fase dos automóveis, onde Henry Ford determinou que os automóveis Ford Modelo T poderiam ser fabricados em qualquer cor, desde que fosse preto. No pós-guerra a rápida retomada da produção fez com que o preto fosse a cor padrão dos carros então importados pelo Brasil. Houve também um tempo onde um carro preto era uma demonstração de poder, o famoso carro oficial, um símbolo de status. Em outra época um carro preto significava velocidade e esporte, já que Emerson Fittipaldi, nosso primeiro campeão mundial de Formula 1, era patrocinado pela marca de cigarros (de embalagem preta) John Player Specials. Além disso tivemos, em menor escala a moda do Fuscão Preto, inspirado pela musica, dentre outras. Em um país tropical, quente e ensolarado como o nosso, ter um carro preto é na verdade um contra senso que não tem explicação, nos dias de hoje.

Nos anos 50 as baratinhas Mercedes prata atraiam as atenções nos circuitos da Gávea ou de outras cidades pilotadas por Juan Manuel Fangio, e em conjunto com Alfas, Porsches e Willys Interlagos começavam a povoar o imaginário de nossos jovens. O prata, entretanto,, só se popularizou nos anos 90 em nossos automóveis de rua, por meio das novas tintas e vernizes que resistiam a nossos sol e salitre inclementes, e que sempre deram trabalho ás oficinas de pintura e de funilaria pelo país afora. A verdadeira prata da casa!

Já houve tentativas em lançar paletas de cores variadas em novos modelos de automóveis. A linha Corsa, por exemplo, ao ser apresentada ao publico brasileiro em 1993 foi oferecida em 10 cores vibrantes e inéditas. Poucas delas emplacaram e nas versões sucessivas foram reduzidas a apenas meia dúzia com poucas variações cromáticas. Nos lançamentos de novas linhas sempre há oferta de novas cores, que geralmente são as utilizadas nas fotos da campanha publicitária, mas a unanimidade de que os modelos pretos e pratas se valorizam mais, sob o ponto de vista econômico, acaba prevalecendo. Hoje temos a chatice de que essa valorização também é compartilhada, e com bons olhos, pelos ladrões de carros, já que esses são os modelos mais roubados já que dão menos na vista ou são mais valorizados nas revendas dos ferro velhos.

Por sua vez o amarelo foi lançado como pintura padrão dos táxis em N. York, nos anos 30 e reproduzido por algumas outras cidades, como Medelin, Istambul, Taipei e o Rio de Janeiro, por exemplo. No Rio este padrão foi introduzido nos anos 70 pelo prefeito Marcos Tamoio e dizem que foi com a participação ou sugestão do designer Aloísio Magalhães, apesar de que esta informação não ter sido confirmada.


O decreto que define a cor padrão dos táxis do Rio é o de número 929, de 5 de abril de 1977. O artigo 1° parágrafo único determina que as tonalidades das cores indicadas são: amarela – 7,5y7/10 e azul 5 PB 2/6, conforme referência da MUNSELL internacional.
Foi proposto, desde o inicio, de que fosse utilizada a cor Amarelo Java, padrão da Volkswagen na época, com a adição de uma faixa lateral quadriculada azul marinho, que por dificuldades de pintura logo se tornou uma faixa continua. Esta padronização é utilizada até hoje e facilita aos usuários, cariocas ou não, a identificação e a procura por um táxi em nossa cidade a qualquer hora e sob qualquer iluminação.

Acontece que no ultimo ano liberaram (ou bagunçaram?) o tom de amarelo dos taxis a tal ponto que não se consegue mais identificá-los, sejam legítimos ou piratas, desfazendo um padrão muito bem estabelecido ao longo dos anos. Uma pena!

Os taxistas deveriam ser os primeiros interessados a manter o padrão estabelecido, para seu próprio bem e não correr o risco de abrir a guarda no sentido de confundir seus clientes. Qualquer carro pintado de amarelo pode ser confundido com os táxis, criando desconfiança e insegurança nos usuários deste tipo de transporte. Isso é absolutamente incompreensível, especialmente se considerarmos o aumento de visitantes e turistas que frequentam a cidade e as perspectivas olímpicas próximas.

Em termos de cor no nosso cotidiano temos dois paradoxos, uma padronização forçada pelo usuário (ou será pelas concessionárias?) no caso do preto e do cinza e outra, no caso do amarelo, rompida pelos seus interessados não se sabe por que razão.

Podemos alegar que em num país luminoso e ensolarado a preferência pelas cores brilhantes e intensas talvez se configure um pouco “demais”, tendo nos automóveis um efeito “cheguei”, que poderia inibir os seus usuários em seu dia a dia. Por outro lado a padronização prata/preto é irritante, a ponto de diariamente depararmos com motoristas enfiando chaves em carros que não lhes pertencem em estacionamentos e shoppings, tamanha a frequência de automóveis parecidos.

No caso dos amarelos utilizados para os táxis poderia haver uma preferência por um tom diferente do Amarelo Java utilizado por tantos anos. Isso porem deveria ser feito com critério e de forma programada, onde os dois padrões conviverão por algum tempo, predominando o novo ao longo de um período de transição programada, como preconiza o bom senso.

Mesmo constando do dístico de nossa bandeira a ”ordem” não é o nosso forte. Temos uma preferência pela complexidade, pela contravenção, pelo rompimento, pela não observação de padrões. Nestes dois casos por motivos diferentes o “medo” da cor no primeiro caso e a “insatisfação” com a cor no segundo, confirmando assim o que alguns analistas já disseram vivemos numa Belíndia: o Brasil é uma contração da Bélgica com a Índia, onde duas realidades antagônicas convivem e se alternam, sem nenhuma lógica ou ordem e de forma atávica e eterna.

Eu, pelo meu lado tenho um carro vermelho, que prefiro não só pela luminosidade da cor, mas pelo fator segurança no transito, bem como por ser menos “apetitoso” para os ladrões, que dariam muito na vista rodando com ele por aí. Me recuso a fazer parte desta “unanimidade burra” como bem definiu Nelson Rodrigues.