segunda-feira, 5 de março de 2018

O retrocesso do móvel popular



Mesmo com o progresso nos processos de manufatura, com a divulgação pelas redes sociais, com a existência de bons exemplos mundiais, neste início de século XXI continuamos a regredir em áreas onde isso não seria concebível. O setor de mobiliário popular é um deles. Nos dias de hoje o mobiliário popular, que é oferecido ao consumidor brasileiro é pior do que em meados do século passado, tanto em design como em qualidade. 

Este raciocínio nos ocorreu logo após a notícia do falecimento de Ingvar Kamprad, há poucas semanas, o fundador e presidente da rede de lojas IKEA, espalhadas pelo mundo. A IKEA foi uma das precursoras da difusão do móvel popular  qualidade pelo mundo, iniciado no final dos anos 60, junto com a Habitat, esta de origem britânica, e que hoje faz parte da rede IKEA. Estes dois exemplos mudaram o paradigma do que é um móvel popular, de preço justo, mas com funcionalidade, design e qualidade, para atender a um publico diferenciado, nascido no pós-guerra. A IKEA nasceu em uma pequena cidade do interior da Suécia e se tornou a maior rede de venda de móveis e acessórios para a casa do mundo, com 400 lojas e presença em todos os continentes, menos na América do Sul. Kamprad foi o milionário europeu que frequentou o primeiro lugar do ranking por longos anos. Sua filosofia de vida foi que norteou a fundação da empresa e a feição de seus produtos, que tiveram sucesso quase que instantâneo. Ele percebeu a emergência de uma classe popular de consumidores com necessidade de mobiliário de qualidade, mas com preços populares.

O interessante é que nos anos 70 houve um interesse da IKEA e da Habitat (então ainda independente) em vir para o Brasil, como um inicio de uma possível operação em nosso continente. Estiveram aqui em missão exploratória mas desistiram após alguns estudos. Já operava em algumas cidades brasileiras uma cópia delas, a rede Tok&Stok, com produtos muito semelhantes mas a preços muito mais caros, comparativamente, aos praticados por eles em suas redes. A proibição de importar peças de mobiliário praticada na época foi um dos fatores que os impediram de ir a frente. Isso significaria produzir todo o seu catalogo aqui, e com nossos custos inflacionados, o que impediu a viabilidade do negócio. Isso também impediu que nos tornássemos fornecedores deles, mesmo havendo algumas iniciativas de empresas nacionais, o que detalharemos em outro post. Este é um dos exemplos internacionais a que nos referimos no início. Se estas tentativas tivessem se concretizado, poderíamos ter outro patamar de qualidade de mobiliário e acessório, atendendo ao nosso consumidor popular. Certamente estabeleceria um novo paradigma para o setor.

O que temos hoje é abaixo da critica. Um mobiliário popular construído com péssimo design, acabamento pífio, detalhamento abaixo de qualquer critério, que não suporta o uso diário, nem uma mudança sequer, sem possibilidade de manutenção, com materiais e acabamentos que não suportam um copo molhado, sobre um tampo de mesa. O resultado é que há uma invasão de produtos chineses de baixo custo competindo com o produto nacional, com sérios problemas para a indústria local. Uma indústria que sempre teimou em privilegiar custo sobre qualidade, nivelando assim seu mercado pelo menor nível possível, hoje sofre as consequências. Não criamos uma cultura da qualidade, o que dirá do design.

O design de nosso mobiliário peca por uso de placas de MDF com revestimento de péssima qualidade. Itens desmontáveis, mas com ferragens de baixa resistência e com acabamentos de parafusos aparentes, com capinhas que se desprendem e se perdem facilmente. Excesso de cromados e parafusos aparentes, no mobiliário metálico, com tubos de espessuras inadequadas, facilmente deformáveis ao se arrastar uma mesa. Cadeiras com acabamentos em chapa metálica sem o necessário desbaste, ocasionando bordas cortantes, além de estofamentos de baixa qualidade e conforto.

Quando os móveis são de madeira há exemplares de cadeiras pesadas demais, para um reles mortal, ou leve demais para se confiar em sentar nelas. Mesas de diversas alturas, com travessas que não permitem ao usuário sequer cruzar as pernas.  Quanto aos armários fazem o maior efeito enquanto vazios. Ao serem carregados temos logo o efeito das prateleiras vergando e das portas empenadas e sem fechar se faz sentir, fruto do mau dimensionamento das placas utilizadas e de sua resistência. No caso dos estofados as dimensões são tão estapafúrdias que dificilmente caberão numa sala de Minha Casa Minha Vida! 

Basta fazer uma turnê por uma rua de lojas de mobiliário popular, em qualquer cidade brasileira para se constatar estes fatos. A pergunta que fazemos é será que o consumidor popular tem que pagar este preço e ter um produto que já sai da loja com prazo de validade? Não há a possibilidade dos órgãos de normalização ou de defesa do consumidor fiscalizar estes produtos e dar-lhes uma classificação, que sirva para o consumidor saber o que está comprando? Como é realidade em outros países?

O suado dinheiro do consumidor popular deve ser protegido deste tsunami de baixa qualidade que lhe é oferecido. O nosso consumidor popular, merece ter um retorno de qualidade e o design tem um papel fundamental na geração de produtos que durem alguns anos a mais, além da duração das suadas prestações que ele paga.

A indústria e o comércio de mobiliário popular tem que tomar consciência urgente disso, para sobreviver e atingir patamares de maior valor agregado, fornecendo produtos melhores a população brasileira.

Texto não publicado