Conheci Arno Votteler em 1967, quando esteve na ESDI, a
convite, para dar um curso sobre Design de cadeiras. Ele estava no Brasil com o
objetivo de implantar na empresa Giroflex, em São Paulo, uma nova linha de
cadeiras para escritório, que acabara de desenvolver e lançar na Europa.
Foi um curso rápido, mas importante, pelos princípios que
demonstrou para nós, como o de se projetar um produto como um sistema considerando
as inovações e a ergonomia, que na época era uma absoluta novidade. Ele
propunha produtos compostos por componentes comuns, que intercambiáveis,
formavam novos modelos de cadeiras, formando uma linha, ampliando sua oferta ao
usuário, ou a noção do sentar dinâmico, onde o usuário tem diversas posturas de
sentar e as cadeiras dando o suporte adequado a cada uma delas, eram alguns
deles. Estes princípios se tornaram parte integrante de minha atuação, dali
para diante.
Votteler era docente na HfBK Braunschweig, no norte da Alemanha e já tinha uma carreira influente no cenário local. Foi um dos fundadores da VDID, a associação de profissionais alemães, uma das primeiras reconhecidas pelo ICSID e que já trabalhava desde o final dos anos 50, pelo reconhecimento da profissão no país. Já tinha uma atuação profissional, com vários produtos premiados com o IF em Hannover, o Oscar do Design.
Nascido em Freudenstadt, na Floresta Negra, tinha estudado em Stuttgart com Herbert Hirsche, ex-aluno da Bauhaus. Trabalhou em indústria, na Alemanha, foi assistente de Robert Gutmann na Inglaterra. Dentre seus projetos se destacaram o primeiro sistema modular de superestrutura e interiores para navios, para a Blohm+Voss, o primeiro gabinete para a TV em cores da Blaupunkt, diversas cadeiras para a Walter Knoll, hoje consideradas clássicas, mobiliário para escritório para a Stoll Giroflex, dentre outros.
Em Braunschweig, Votteler tinha um escritório bem equipado e com equipe multidisciplinar envolvido em projetos diversos, como uma proposta de habitação para o futuro, sistemas de mobiliário para cozinhas modulares, equipamentos de som, etc. Na escola, além de dar aulas na graduação foi responsável pela criação, em 1970, do primeiro curso de pós-graduação da Alemanha, em nível de mestrado, de Design Ambiental, para onde se transferiram diversos ex-alunos da HfG Ulm, que acabara de fechar as portas.
Tive a feliz privilégio
de estudar e trabalhar com ele, já que vinha de uma passagem pelos Estados
Unidos, onde tinha ido estudar, sem suporte financeiro de nenhuma espécie. Reagan
era governador da Califórnia, onde eu estudava na UCLA e criou uma taxa extra para
estudantes estrangeiros que me impedia de continuar o mestrado, recém iniciado.
Votteler, para quem escrevi, relatando meu problema, recebeu-me de braços
abertos, admitindo me como seu aluno na HfBK, justamente no curso recém criado,
me ofereceu um estagio em seu escritório, que ficava convenientemente ao lado
da escola. Isso permitiu me manter em Braunschweig, no norte da Alemanha por
mais quatro anos.
Para minha felicidade o projeto da habitação para o futuro, W’80, uma pesquisa para a BASF, estava em andamento e fui alocado nele, como parte da equipe responsável pela ambientação final e prototipagem. Um projeto único e desafiador, o de prever o futuro na habitação. Com isso aprendi outro ensinamento fundamental: o trabalho em equipe. Em design ninguém faz nada sozinho. É essencial o trabalho em equipe e mesmo o designer autoral não escapa de depender de terceiros, ou colaboradores, direta ou indiretamente. A valorização do trabalho em equipe foi sempre uma característica acentuada por Votteler e que me marcou fortemente. Esse princípio veio reforçar o que praticávamos na ESDI, durante nossa formação.
Votteler já tinha montado um programa de intercâmbio, com escolas fora da Europa, especialmente com os alunos e professores da Ohio State, nos EE.UU. Tínhamos então constantes visitas, além de muitas atividades de profunda inter-relação cultural e de experiências diversas. Como Votteler mantinha relações com o NID, escola de Ahmedabad, onde tinha lecionado, convivi, no meu primeiro ano, com estagiário desta escola da Índia, o que foi culturalmente impactante, se contrapondo ao pensamento funcionalista alemão, reinante na época. Esta visão holística do design e sua aplicação universal foi muito enriquecedora e me abriu novos horizontes. Isso marcou-me de tal forma que iniciei, mais tarde, um programa semelhante na ESDI, durante um dos meus mandatos como diretor. Ao definir sua importância, Votteler usava uma figura de retórica muito interessante a respeito: dizia que você olha a sua mão (o design) colada ao nariz, você precisa, afastar a mão para vê-la na totalidade! Essa era a função essencial num intercâmbio. Aprender sobre a sua realidade, afastando-se dela, pois assim consegue vê-la de forma critica e na sua totalidade. Nada mais verdadeiro, devo dizer.
Anos depois Votteler mudou-se para Stuttgart, onde foi suceder a seu mestre Herbert Hirsche, que se aposentara. Na Akademie onde lecionou até se aposentar sempre promoveu discussões muito intensas no Weissenhof-Institut que lá criou. Estes seminários e exposições que promoveu, resultaram em publicações importantes para o desenvolvimento do design alemão contemporâneo. Ele acreditava na “multi- funcionalidade”, significando que um objeto ou solução deve extrapolar sua função sempre, oferecendo algo a mais além de sua natureza especifica. Em todos os projetos em que trabalhamos essa era a tônica. Outro princípio que defendia era que se deveria sempre respeitar a última ideia, ou seja, se um projeto esta pronto para ser apresentado, caso surja uma nova ideia melhor, deve ser revisto, antes de apresentado, mesmo que custe atrasos. Isso às vezes causava grandes frustrações na equipe, pois na vigésima quinta hora tínhamos que revisar o que seria apresentado, pois ele tivera uma ideia melhor. Ele estava certo, já que isso quase sempre se justificava!
Sua experiência, de
anos, tinha lhe dado alguns conceitos, que Votteler respeitava com muita convicção:
somente trabalhava para clientes que ele pudesse considerar como eventuais
amigos, o que muitos se tornavam ao longo do processo. Isso não significava que
todos o fossem, mas poderiam ser, se assim a realidade os tornasse. O diálogo
com os clientes ele praticava diuturnamente, ouvindo suas necessidades, suas
angústias, suas dificuldades. A muitas delas ele se opunha, sempre com
argumentos sólidos e estudados quando necessário. Eles o respeitavam por isso e
tudo acabava em lautos jantares, em sua casa, servido por Dori, sua esposa, acompanhados
de vinhos exclusivos de sua adega. Sempre foi um prazer trabalhar com ele e
seus clientes.
Arno Votteler foi, para mim, uma verdadeira escola, além de minha graduação e de tudo que aprendi com outros mestres. Ele, que se tornou um verdadeiro amigo, me propiciou grande parte do que sei e que faço questão de passar aos meus colaboradores e alunos, sempre que a oportunidade se apresenta. Uma verdadeira legenda para mim.
Valeu e muito Arno Votteler!
Arno Votteler - 25/05/1929 - 28/02/2020
A
Design Legend
I met Arno Votteler in 1967, when I was a student at ESDI, the Brazilian
design school in Rio, and he a guest lecturer giving a course about chair
design. He was in Brazil, at Giroflex in São Paulo, to introduce a new line of
office chairs that he had developed recently in Europe.
It was a very short course, but important, because
of the principles he introduced to us, like conceiving a product as a system and
considering the innovations and ergonomics. These were an absolute novelty at
that time. He proposed products composed of common interchangeable parts, that
would create new chair models as part of a collection, enlarging the users’ options,
and envisaged dynamic seating, in which the user can assume different seating
postures with the chair giving equal support to each posture. Those principles
became part of my design practice from then on.
Votteler was a professor at the HfBK
Braunschweig, in Northern Germany and had a very influential career in the
local scene. He was one of the founders of the VDID, the German professional
designers association, one of the first recognized by ICSID, and the one that
was involved from the 50s in the accreditation of the profession. He had a
quite successful professional career, with several products awarded the IF in
Hannover, the Design Oscar.
Born in Freudenstadt, in the Black Forest, he
studied in Stuttgart under Herbert Hirsche, a former Bauhaus student. Votteler
worked for industry in Germany and was an assistant to Robert Guttmann in
Britain. Among his projects we could point out the modular system for the interiors
and superstructure for cargo ships by Blohm+Voss, the first color TV cabinet for
Blaupunkt, several chairs for Walter Knoll, today considered classic pieces, office
furniture for Stoll Giroflex, and many others.
In Braunschweig, Votteler had a design office,
well-equipped and with a multi-functional team involved in diverse assignments,
like a living environment for the future, modular system for kitchens, sound
equipment, etc. At the school, besides giving classes to undergraduate students,
in 1970 he created the first graduate course in Environmental Design in Germany,
which was attended by several former students from the HfG Ulm, then recently
closed.
I had
the luck and privilege of studying and working with him, since I came from a
stay in the US where I had gone to study, without any extra financial support. Reagan
was governor of California, where I was at UCLA, and imposed extra tuition fees
for foreign students that prevented me from continuing my master studies,
recently begun. Votteler, to whom I wrote explaining my problem, accepted me
with open arms, admitting me as a student at the HfBK, just as the new course opened,
and offered me a internship at his office, conveniently located right across from
the school premises. This made it possible for me to stay in Braunschweig, in
the North of Germany for another four years.
In
another happy coincidence, Project W80, researching the living environment for
the future for BASF, was in its middle phase, and I was assigned to it as part of
the team responsible for the final layout and prototype. A unique and
challenging project: to propose the future of our living environment. With this
I learned something fundamental: team work. In design nobody can work alone. Team
work is essential in design, even the individual designer depends on third
party suppliers or collaborators, direct or indirectly. Team work was always
accentuated by Votteler and that impressed me very deeply. These principles
came to reinforce what we had put into practice as students at ESDI, in Rio.
Votteler
established an exchange program with design schools outside Europe, especially
with students and teachers of Ohio State, in the US. Through that we had
constant visits and other activities of strong cultural inter-relations, and
diverse common experiences. As Votteler had relations with NID, the Ahmedabad
Design school, where
he taught, we had a Indian practitioner from this school during my first year. That
had a great cultural impact on me, since it was a true counterpoint to the
German functional thinking supremacy of those times. This holistic design view
and its universal application were very enriching to me and opened new
perceptions of the field. This was so important that later I began a similar
program at ESDI during one of my mandates as Director. When supporting its
importance, Votteler used a very interesting rhetorical figure: He said that when
you look and see your hand (design) close to your nose, you have to move it away
if you want to see it in its completeness! That was the purpose of an exchange
program: learning about your own reality by taking a step back from it, so that
you can see it critically and in its totality. Nothing but the truth I must
say!
Years
later Votteler moved to Stuttgart, where he was to succeed his master Herbert
Hirsche when he retired. At the Akademie where he taught until retirement he
promoted intense discussions and events at the Weissenhof Institut he
established there. The seminars and exhibitions he organized resulted in
important publications for the development of contemporary German design. He
believed in “multi-functionality”, meaning that an object or solution should always
go beyond its primary function, fulfilling more than its core purpose. In all the
projects we worked on that was the tone. Another of his principles was that we
had always to implement the latest Idea. That meant that whenever a project or
solution was being prepared for presentation, if a better Idea arose, it had to
be included in the final presentation, even if costs were incurred. That caused
the team great frustration, because at the last minute we often had to revise
all that was done and ready for presentation, since he had had a better idea.
But he was right and it was always justifiable.
In his
long experience, Votteler had many concepts and beliefs and his motto was that he
would work only for clients who could be eventually considered as friends. That
didn’t mean that all became friends, but they could if things worked out well,
and many did. He maintained a constant dialog with clients. He listened to
their needs, their difficulties, and their afflictions. Many views he opposed,
but always with solid arguments when necessary. Clients respected him for that
and it often all ended in magnificent dinners in his house, served by Dori, his
lovely wife, with some very good wines from his cellar. It was always a
pleasure to work with him and his clients.
Working
with Arno Votteler was for me a true education, after my graduation and all
I’ve learned with other masters. He turned out to be a good and special friend
over the years, and gave me much of what I know. I do my best to pass on this
knowledge freely to my students on any occasion I get. A true design legend for
me!
It was very
much worthwhile, Arno Votteler!