Esta semana a INFOMONEY publicou a noticia de que o valor da empresa APPLE passou a ser de US$ 1,88 trilhão, superior ao PIB brasileiro de US$ 1,84 trilhão, de 2019. Isso demonstra mais uma vez o fato, já mencionado aqui, de sermos um país sem projeto. O Brasil é a nona economia do mundo, mas ainda não consegue entender em que época está. Esse número nos fez lembrar alguns fatos dos anos 80/90, onde tivemos por momentos uma certa supremacia sobre esta empresa, pelo menos em termos tecnológicos.
Vivíamos uma época de ditadura e de fechamento de nossa economia. A computação pessoal estava se implantando no mundo inteiro e nós decidimos como política “reinventar a roda”. Não podíamos importar equipamentos de informática, no sentido de pretender fortalecer a indústria local. As indústrias nacionais se juntaram as universidades e centros de pesquisa para reinventar o computador pessoal. Ora isso não seria fácil, e por falta de tecnologia instalada anteriormente o recurso de que se lançou mão foi a cópia.
Foi a tônica do momento também em outros países, em meados dos anos 80. Especialmente nos tigres asiáticos, como muitos devem lembrar. Diferentemente dos primeiros PCs, desenvolvidos pela IBM, com patente aberta, os produtos da Apple eram difíceis de copiar, pois tinham características próprias, pensadas para tal. O Macintosh era alegadamente impossível de copiar ou clonar, entretanto uma empresa brasileira o copiou, por meio de engenharia reversa, de forma magistral, a UNITRON. Eles já tinham experiência em copiar produtos da primeira geração da APPLE, assim como a DISMAC, a MILMAR, a CCE e a MICRODIGITAL com o seu famoso TK 2000, todas empresas locais. Estas empresas se desenvolveram sob o guarda chuva da Lei de Informática, que fechava o mercado nacional de forma irracional.
O projeto do UNITRON Mac 512 exigiu porem um esforço muito maior, pois envolvia a inclusão de HDs especiais, acionadores de disquete, desenvolvimento de ROM, que resultou ser maior do que o original da APPLE, dentre outros itens, proibidos de importar. Todos estes componentes foram desenvolvidos aqui, com tecnologia de micro mecânica muito precisa, além dos insumos eletrônicos, os CIs, importados ou contrabandeados por alto preço. O desenvolvimento deste parque de fabricantes trouxe, inclusive, fabricantes de microprocessadores, para o país, que com o tempo e o mercado promissor, alimentavam esta demanda da indústria.
Com o governo Collor, estabeleceu-se a abertura do mercado brasileiro em geral. A Lei de Informática foi reformulada em 1991, abriu o mercado para as multinacionais do setor e permitiu a importação direta. Com isso esperava-se que houvesse a modernização do parque industrial pela cooperação das empresas de fora. Não foi o que aconteceu pois as empresas nacionais foram adquiridas, pelas "multis" e muitas foram fechadas sumariamente. Outras, viraram importadoras ou subsidiárias de fornecedores de produtos prontos. O parque industrial da informática brasileiro deixou de existir e com isso nossa capacidade de projeto, se esvaiu. Viramos meros montadores, utilizando os incentivos da Zona Franca de Manaus.
Antes disso, em 1988, tivemos um episódio bizarro, onde executivos da APPLE se mobilizaram, junto com o governo americano e poderosos advogados, para punir a UNITRON, pela sua ousadia em ter copiado, com sucesso, o Macintosh. O clima da época era o de demonizar as cópias, que o governo tinha incentivado, anteriormente. Isso, somado a ameaças de retaliação pelo governo americano, fez com que a UNITRON não pudesse continuar com o projeto. Esse episódio também originou em uma nova Lei do Software, na mesma época.Tomando-se o exemplo dos chineses, que tem como política obrigatória, a junção de interesses de empresas, constituindo ”jointventures” entre empresas deles e multis, o nosso governo não tomou nenhuma medida semelhante. Se tivesse feito, poderíamos hoje ter o domínio tecnológico que os chineses têm e ainda ser fornecedores a essas empresas, como é a realidade deles. Os chineses foram grandes copiadores no passado, mas com as “jointventures” passaram de copiadores a desenvolvedores de sua própria tecnologia, dominando-a em muitos setores.
Temos, já de muito tempo, por falta de uma política governamental efetiva, deixado a indústria á míngua. Não utilizamos nossas capacidades, nossas possibilidades nem nossa inteligência plenamente. Persistimos em uma política limitada de commodities obtusa e unilateral. Se considerarmos que o valor de um iPhone é equivalente a oito toneladas de minério de ferro, podemos perceber o que estamos perdendo em valor agregado a nossa produção e em especial em domínio do projeto.
Temos perdido pesquisas, projetos realizados com sucesso, pessoal especializado, temos fechado centros de pesquisa e facilidades industriais já estabelecidas. Neste setor tivemos o CPQD Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás fechado, o CTI Centro de Tecnologia da Informática esvaziado, ambos em Campinas, SP, sem falar nas indústrias de CIs/Chips que deixaram o país, já nos anos 90 e nunca retornaram.
Imagine o que estaríamos ganhando caso houvesse um desenrolar diferente, dessa história e tivéssemos aqui o parque industrial da APPLE, ou parte dele. O valor que mencionamos acima poderia estar em parte, incorporado ao nosso PIB. Além do que eles não teriam as ameaças que estão tendo de retirar suas facilidades fabris da China, com estão tendo agora.
“..quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Texto não publicado.
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