segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Sistema no Design, na Arte, na Indústria


O fato de Geraldo de Barros ter tido uma carreira tão diversificada e profícua se deve a uma coerência e uma objetividade quase que radical de sua parte. Sua curiosidade nas diversas mídias, e em colocá-las em questão são, uma forma de explorar princípios de atuação e de realização, oriundos de uma lógica predeterminada. Seu conhecimento e exploração da “Gestalt”, seu interesse por suportes e técnicas, por modularidade e sistemas, bem como a necessidade de fazer mais com menos, marcam o interesse que temos, nos dias de hoje, por sua obra.

Observando mais de perto sua trajetória, percebemos que essa lógica era coerente, em todas as suas diferentes formas de expressão. O “jogo de dados” sempre presente, mesmo na obra mais precoce, como a fotografia. Seu interesse “digital” já se mostrava em seus primeiros fotogramas, dos anos 40, onde superpunha cartões perfurados em suas experiências fotográficas. Seu uso de tiras de papel, o foco em sombras cúbicas ou lineares, justaposição de imagens, já anunciavam seu interesse em explorar os elementos da Gestalt, sempre com algum ”sistema” por trás.

 Voltando ao design, isso se vê nas primeiras cadeiras em metal para a UNILABOR, que se resumiam a dois cubos perfeitos superpostos, executada em tubos, ou nos módulos da estante modular para a empresa, tão publicada por ai. Nas suas primeiras pinturas concretas, os cubos em perspectiva cavaleira ou isométrica, estavam muito presentes e demonstravam seu fascínio por esta forma e pela ambigüidade na sua apresentação. Isso se confirmou quando conheceu a obra de Max Bill e dos concretistas, que vinha de encontro a sua experiência com foto e mobiliário.

 Sua experiência industrial veio abrir novas possibilidades de uma combinatória, agora com a exploração de técnicas próprias do ramo. Os móveis em aglomerado recortado e pintado se tornaram uma marca registrada da Hobjeto, onde os cubos passam a ter cantos arredondados e mais adequados ao contato humano. A pintura industrial, o uso de laminados de formica, passou a ser utilizada também em sua obra artística.

 Seus “Jogos de Dados” são uma série de quadros, onde os dados (formas cubicas isométricas) são combinados sistematicamente, com outros dados (cores), em preto, cinza e branco, ou em cores cuidadosamente escolhidas e com uma ambigüidade determinada. Sua execução é feita por especialistas, e somente poderia ser realizada assim. A qualidade desta execução, que se reflete inclusive nas costas dos quadros, resulta numa determinação por parte do autor de uma combinatória, somente possível com a apropriação desses meios de produção. Como um projeto de design, como um contraponto, originário de uma idéia, em que arte e design se combinam em uma entidade única. Uma perfeita conjunção do digital com o analógico, como sempre Geraldo desejou, mesmo sem ser tão comum, nos dias de hoje.

Geraldo de Barros – A arte como sistema!!!

Esse texto, ligeiramente modificado, foi publicado no Catálogo "Geraldo de Barros :Imaginário, Construção, Memória" Organização Itau Cultural, São Paulo, SP 2022.

 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Sergio Rodrigues, a OCA e Brasília

A relação entre Sergio Rodrigues, a OCA e Brasília foi profícua e longa. Iniciou-se à época da construção da cidade, quando o mobiliário para o Catetinho foi escolhido, passando por inúmeros prédios e interiores, nos quais “exigia-se” a utilização exclusiva de mobiliário de autoria do Sergio, até os anos 90. A equipe de arquitetos da nova capital identificava-se com os projetos e com os produtos de Sergio e não viam uma alternativa na hora de mobiliar os novos ambientes criados. Podemos, inclusive, dizer que os pedidos de Brasília, nos anos 60, incentivaram o processo de crescimento da OCA, empresa emblemática fundada por Sergio. 

É o caso da UnB com Darcy Ribeiro, o reitor à época, como descrito nesse magnífico trabalho de José Airton Costa Junior. A poltrona Dois Candangos, sem dúvida, inspirou a poltrona de auditório PA-1, de grande sucesso posterior. Não podemos esquecer o caso dos Palácios da Alvorada e do Planalto, por exemplo, que até hoje possuem inúmeros exemplares de mobiliário da OCA em uso e em perfeito estado. Na época de sua fundação e nos anos seguintes, a OCA mobiliou muitos Ministérios e Autarquias, virando uma autêntica tradição o uso de seu mobiliário nesses espaços. Sergio era convidado a criar peças próprias e muitas vezes inéditas, para atender a este ou aquele projeto. Foi assim no Itamaraty, onde suas peças mobiliaram os principais gabinetes e salas do Palácio dos Arcos, que então passou a ser a verdadeira sala de visitas e recepções da República. 

Todo o mobiliário dos anos 60 era caracterizado pelo uso de madeiras nobres, como o Jacarandá, e por revestimentos de alto padrão, como o couro natural. Infelizmente, isso contribuiu para esgotar as reservas brasileiras daquela madeira, mas, por outro lado, equipou esses ambientes com peças quase indestrutíveis. A qualidade era representada não só pelo material, mas principalmente pelo design característico da época, com dimensões generosas e com largo uso de madeiras nobres. Nos dias de hoje, essas peças têm sido redescobertas e muitas, ao passar por restauro, foram revalorizadas.

 Mesmo depois do Sergio ter saído da OCA, essa tradição se manteve. Podemos afirmar isso com certeza, pois tive o privilégio de colaborar com a empresa após sua saída. Fui contratado pelos novos donos, em meados dos anos 70, para ser o designer, sucedendo a esse grande mestre. Era um momento em que a empresa não mais mantinha relações com Sergio. Ser o sucessor de Sergio era uma tarefa assustadora já que eu conhecia sua obra pregressa. Felizmente conseguimos contornar as adversidades ao reafirmar a importância de seu legado, ainda que ele não estivesse mais presente na OCA. Após algum tempo, pudemos reestabelecer o contato com Sergio, o que facilitou minha atividade na empresa, mas antes de tudo, criou-se uma amizade, da qual me orgulho em ter estabelecido. 

 Desde as modificações que fiz na KILIN, para exportação, passando pela coordenação na Linha TUPAN, até o projeto do estofado BINGEN, todos tiveram sua aprovação e consultoria. Esse último, por minha insistência, foi um projeto contratado diretamente com ele e que tive o prazer fazer o protótipo. 

Outro momento importante foi a parceria para a concorrência de criação das poltronas do Teatro Nacional. O projeto ganhador foi o do Sergio. Eu fui o responsável pela prototipagem, e a inspeção de montagem foi feita juntamente com ele. Foram anos de colaboração e de crescente amizade. 

O mercado de Brasília era importante para qualquer empresa e a OCA tinha a prerrogativa de já ter fornecido móveis largamente o que fez com que ela continuasse a prover mobiliário para lá, mesmo na época pós-Sergio. Muitos modelos da coleção OCAClássica, como a chamávamos à época, complementavam instalações e necessitaram de adaptações para atender a situações específicas. Era minha tarefa, em paralelo aos meus modelos, fazer e coordenar essas modificações. Lembro de uma cadeira CANTU especial com encosto altíssimo, que produzimos para uma sala de reuniões do Ministério do Planejamento. Mostrei as fotos, com a cadeira modificada, à Sergio e ele me declarou gentilmente que eu tinha feito melhor do que ele. 

Acho que um resultado de nosso bom relacionamento foi ele ter executado produtos, que batizou com os nomes dos novos donos da “sua” Oca e que estão mencionados em seu livro, as poltronas Osmar e Giulite. Mais uma pequena demonstração de que ele conseguia se sentir ainda fazendo parte de seu legado na OCA. Para mim, essas atitudes são uma mostra do grande coração que habitava no peito do nosso maior designer brasileiro. 

O presente estudo, mais uma vez valoriza seu trabalho e sua história, 

Viva Sergio Rodrigues!!! 

O presente texto faz parte do livro "Sergo Rodrigues e o mobiliário modrno de Brasília" de Jose Airton Costa Junior  Brasilia, DF Ed.Tiagore, 2021 - Pesquisa que resultou em publicação e exposição no MAB Museu de Art de Brasília, de 12/2021 a 01/2022.