quinta-feira, 3 de julho de 2025

A hora da virada?

Estamos em um verdadeiro ponto de virada. A era do design global, "culturalmente neutro", alimentada pelo sonho da homogeneização mundial através da integração econômica, está chegando ao fim. Este sonho, apoiado por um modelo de pensamento neoliberal, em parte neo-imperialista, ameaça falhar devido às suas próprias contradições.

Permanece a percepção: o design é novamente levado fortemente para sua origem, em contextos sociais, culturais e industriais. Observamos um retorno ao design como um ato cultural, ou melhor: como uma expressão de uma cultura industrial caracterizada por valores sociais, responsabilidade ecológica e conhecimento local.

O design atual muitas vezes tende a um “mainstream” visualmente suavizado e orientado pela marca, que perde a relação com a realidade da vida do usuário, como Don Norman já criticou. mas agora o design está começando a se orientar novamente para o contexto, para o lugar, para a comunidade, para a função social.

A Alemanha lembra de sua própria história de design: Werkbund, hfg ulm, Bauhaus, Dieter Rams. Uma tradição que se concentra na função, na responsabilidade social e ecológica e na justiça material. A Escandinávia, por outro lado, desenvolverá ainda mais sua identidade de design já forte e historicamente crescida: clara, reservada, centrada nas pessoas. O Japão está novamente aprofundando sua própria lógica cultural da forma, da escolha do material e do significado.

Resta saber se esse desenvolvimento deve ser avaliado positiva ou negativamente. Uma coisa é certa: o design que ignora as condições locais, sociais e culturais não faz jus à sua responsabilidade.

Este campo recém-formado também requer pesquisa, reflexão e compromisso. Devemos acompanhá-lo cientificamente, permeá-lo metodicamente e desenvolvê-lo em termos de design. A relação entre design e cultura, que há muito é marginal, em favor da competitividade global, deve ser movida de volta ao centro.

Está na hora!


Fritz Frenkler

06 de Maio de 2025

Fritz Frenkler é designer graduado pela HfG Ulm.Tem larga experiencia como titular da F/P Design Co com sedes em Berlin e Kyoto. Foi designer da Wilkahan, do Deutsche Bahn eda Frog Design Asia. E professor de design industrial na TU Municch.

Este texto foi publicado no LinkedIn e reproduzido dor gentilesa do autor. Destaques feitos pelo tradutor.

sábado, 7 de junho de 2025

Ressaca pós Milão

18 de Abril de 2025

Quase tudo já foi dito sobre a MDW Milano Design Week, e surpreendentemente (ou não) os brasileiros que lá estiveram gostaram praticamente das mesmas coisas. Brasileiros em Milão visitando o stand brasileiro nos Saloni. Brasileiros em Milão visitando a exposição do design brasileiro na Universitá degli Studi. Brasileiros em Milão percorrendo loucamente Via Durini, Brera e Zona Tortona a fim de gerar selfies e stories vazios. Brasileiros em Milão com microfone para gravar vídeos de conteúdo óbvio com análises rasas. Brasileiros em Milão alardeando o lançamento de produtos que existem desde a década de 1970 (vergonha alheia). Brasileiros que olham tudo mas não vêem nada. Felizmente há exceções: são raras mas existem.

 Mas vamos ao que interessa: a Semana do Design em Milão é inegavelmente espetacular, mas em 2025 não foi sobre Design .Quem acompanha os Saloni e Fuori Saloni anualmente vem notando o caráter cada vez mais comercial da feira, que há muito deixou de ser um point para quem caça tendências. Neste ano, dentro e fora de Rho vimos pouquíssimos lançamentos de produto inédito e muitíssimo esforço para requentar o que já existe há 3, 5, 10 ou mais anos. E está tudo bem, faz parte do jogo! Com um investimento milionário em Euro as indústrias italianas e suas marcas (sim, porque uma indústria fabrica dezenas de marcas) querem vender o que já está no catálogo e por isso o acesso a alguns stands é cada vez mais restrito a compradores (como é o caso da Minotti por exemplo). Enfim, o empresário brasileiro que vai aos Saloni esperando ver lançamentos todos os anos não entendeu nada, e tem muita gente que não entendeu.

O tema central e onipresente nos principais eventos da MDW é sobre protecionismo. Apostando na desglobalização a primeira ministra da Italia, Giorgia Meloni, vem trabalhando forte na desconstrução do processo de integração européia dominado por França e Alemanha. Segundo a premier é preciso proteger a economia italiana e os interesses dos empresários. A restrição aos pedidos de cidadania e as ações de revalorização do selo Made in Italy (enfraquecido quando muitos produtos passaram a ser fabricados na China) são exemplos da política protecionista de Meloni que ecoaram pelos corredores do Saloni e Fuori Saloni.

A maioria das marcas de design italiano investiu em instalações espetaculares e exposições imersivas a fim de celebrar sua evolução, legado e assinatura. Marcas consagradas da moda e do décor destacaram a excelência dos materiais utilizados e o 'capolavoro', num movimento sincronizado e muito bem pensado que colocou até mesmo os designers badalados em segundo plano. Em editorial a revista Elle Decor Italia propôs transformar a capital do design em "capital do pensamento, da responsabilidade e da imaginação" para criar um futuro mais justo e consciente (indireta pra China?).

Na capital mundial do Luxo até este tema foi tratado politicamente. De repente, marcas e profissionais passaram a refletir sobre o perigo do termo "exclusivo", que perigosamente indica algo "excludente". Fato é que agora o Luxo deve ser invisível (ou visível apenas para quem sabe apreciar) e assim o design ganha novos contornos.

Falando especificamente sobre móveis e decoração, Saloni e Fuori Saloni 2025 estiveram bem parecidos com o que vimos em 2023-24, com pouquíssimos lançamentos de ponta, menos festa e mais pé no chão. Por exemplo, uma das marcas queridinhas dos brasileiros (e sem showroom por aqui), a Moooi, saiu da tradicional locação no Salone dei Tessuti direto para a feira e para uma nova e permanente loja em Milão. A marca tcheca de iluminação Lasvit, que no ano passado apresentou uma instalação arrebatadora no Fuori Saloni, este ano levou seus produtos para a Euroluce, assim como a concorrente e não menos espetacular Sans Souci. Business, business, business.

Visitar a Milano Design Week sempre vale a pena, apesar  das longas filas e dos preços exorbitantes porque os italianos sabem montar o show como ninguém, seja requentando os clássicos, seja reinventando a roda, seja propondo novos conceitos. Já está mais do que provado que copiar produtos é um tiro no pé, e copiar as estratégias das marcas italianas, sem o devido ajuste para o nosso mercado é um grande equívoco. Então, o que sobra para os empresários brasileiros que vão aos Saloni é observar, renovar seus repertórios e ler nas entrelinhas que tudo ali é pensado para um mercado global e não local.

 

Num mundo perfeito e idealizado por influenciadores e assessorias pagas, o Design Brasileiro está bombando no Exterior e o stand de produtos brasileiros na feira de Milão é um sucesso. Mas quando olhamos para os reais números da exportação brasileira de móveis a realidade é bem outra. O Design Brasileiro Modernista e os Vintages dos anos 1950-60 fazem de fato muito sucesso na Europa e EUA, onde são comercializados por galerias e antiquários, mas como vai o design feito e fabricado hoje? Primeiramente precisamos entender o que é considerado produto de exportação: há anos a indústria moveleira nacional exporta majoritariamente e não para a Europa móveis de metal para escritórios, móveis de plástico, assentos giratórios, assentos em diversos materiais, suportes para camas e colchões. Muito pouco do que se vende lá fora é design contemporâneo assinado por brasileiros, sejam famosos ou não. E então, quem se dispõe a investir de verdade no nosso design, assumindo riscos, como fazem os italianos? Quem se dispõe a tirar as lentes cor-de-rosa e construir esse cenário idealizado com autenticidade, para além das panelinhas?

    

Mas falemos sobre beleza, e aqui caio na armadilha de mencionar o que eu gostei. Primeiro, a instalação Library of Light, na Pinacoteca de Brera, que trouxe uma reflexão sobre a importância dos livros para a construção de uma visão crítica sobre o mundo. Também gostei da mostra Gucci Bambu Encounters, que celebrou o legado do bambu na maison e reinterpretou a aplicação deste material através da colaboração de designers contemporâneos. A instalação de Tokujin Yoshioka para Grand Seiko e o evento Google foram outros pontos de destaque, provocantes e fora da caixinha.

Verdade seja dita? O pós Milão vem acompanhado de uma tremenda ressaca.

Silvia Grilli - Desenvolvimento de produtos e de Novos negócios

Texto publicado no LinkedIn e reproduzido por gentileza da autora.

  


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Em memória de Renina Katz (1925-2025)

 

Professora da ESDI de 1968 a 1972 Renina tinha formação de artista, e lecionou Meios e Métodos de Representação na Esdi. Era uma matéria similar, em vários aspectos, tanto ao curso fundamental da Bauhaus (o Vorkurs) quanto a uma disciplina do currículo atual da escola, “Introdução aos Elementos da Comunicação” . Sua prática pedagógica era marcada por uma densidade intelectual invulgar no trato das questões da linguagem visual. E era com empatia e generosidade (e um bom humor afiado) que ela partilhava seu conhecimento e sabedoria.

Nasceu em 1925, em Niterói. Filha de judeus poloneses iniciou sua trajetória artística nos anos1940. Aprendeu xilogravura em 1946 com o artista austríaco Axl Leskoschek. E entre 1947 e 1950 cursou a Escola Nacional de Belas Artes. Como também teve aulas com o gravador Carlos Oswald, e concluiu a licenciatura em desenho na
Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil

 Em 1951 mudou-se para São Paulo. Lecionou no MASP Museu de Arte de São Paulo e, posteriormente, na FAAP Fundação Armando Álvares Penteado. Em 1956, publicou seu primeiro álbum de gravuras. Intitulado ‘Favela’, abordava o universo dos trabalhadores urbanos e das pessoas marginalizados, exprimindo suas preocupações sociais. A partir da segunda metade da década de 1950 começou a desenvolver em seu trabalho artístico uma poética não figurativa. E na década de 1970 iniciou sua prática com litografia, usando várias matrizes e cores para obter transparência e luminosidade. Bem mais tarde Renina abandonou a gravura, devido ao esforço que sua produção exigia. E a partir do ano 2000 abriu um novo front, realizando uma série surpreendente de aquarelas. 

 Em paralelo ao seu trabalho artístico ela concretizou práticas pedagógicas na área do projeto. Além do seu curso na Esdi, em 1965 ela tornou-se professora da FAU/USP Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Trabalhou durante 28 anos, e foi lá que ela conquistou seus títulos de mestre e doutora. “Sua dissertação de mestrado – ”Matrizes Modificadoras do Campo Plástico”, defendida em 1979 – teve o pioneirismo de demonstrar um raciocínio visual com uma série de serigrafias. E sua tese de doutorado –“Lugares”, defendida em 1982 – paradoxalmente foi um trabalho não-verbal. Era composta por 13 litografias sobre o tema ‘A Cidade’. E em um texto de apenas oito páginas apresentava o poema “Paisagem: Como se Faz?”, de Carlos Drummond de Andrade. A USP aprovou a tese com louvor! 

 Em 21 de janeiro de 2025, aos 99 anos faleceu a grande Renina Katz. Que deixa, tanto na arte brasileira quanto no ensino da arte, da arquitetura e do design no Brasil, as marcas do seu talento e do seu trabalho. Como artista e professora ela ensinou a perguntar, para fazer surgir a criação.

Washington Dias Lessa com a colaboração de Silvia Steinberg, ex-alunos da Esdi e amigos de Renina. 

Os dois, já como professores da escola, ministraram a mesma disciplina que ela ministrou (Silvia primeiro, depois Washington). E na reforma curricular de 2019 a disciplina foi reformatada e rebatizada como ‘Introdução aos elementos de comunicação I