Foto: Cezar Duarte |
Há um tempo tive a oportunidade de estar em Manaus, na Amazônia.
No trajeto de taxi me surpreendi com o
numero de pontes e viadutos em construção pela cidade, em cruzamentos
importantes. O mesmo aconteceu em Belo Horizonte, onde a construção de novas
vias rápidas é acelerada pelo fato da Copa ter uma de suas sedes na capital
mineira. O privilégio dado aos automóveis em nossas cidades farão explodir a
necessidade de viadutos e pontes em
nossas estruturas urbanas.
No Rio de Janeiro temos a discussão em prol da demolição,
por sua alegada feiúra, da Avenida Perimetral, um grande viaduto e via expressa
que circunda o Centro do Rio, por uma Prefeitura que permitiu a construção de
uma combinação de ponte/passarela/estação de Metrô, das mais horríveis, em
frente a sua sede na Cidade Nova.
Pontes e viadutos são itens polêmicos. Seus autores, arquitetos e engenheiros, comumente
as chamam de "obras de arte". Em alguns casos o são, pela sua sofisticação de
concepção e construção. Entretanto, na sua maioria, nestes tempos modernos, são
na realidade verdadeiros arremedos de obras funcionais, que somente tem aspecto
aceitável quando inauguradas. Na verdade,
das obras públicas existentes as pontes e viadutos são as mais relegadas a um segundo
plano. Sem manutenção adequada passam a atrair pichações, moradas de mendigos,
fogueiras e depósitos de lixo ou mesmo cracolândias, como em episódios mais
recentes vistos na mídia. No Rio a administração atual encheu essas áreas de
pedras pontiagudas com o intuito de dificultar os desabrigados que ali procuram
refúgio. A expressão “dormindo em baixo da ponte” é considerada
popularmente a forma mais baixa da condição humana.
Dificilmente uma ponte ou viaduto são pintados, limpos, ou
recuperados em sua parte inferior. Dificilmente é dada outra função para a
parte coberta pela ponte ou viaduto, a fim de espantar os habitantes de rua que
a freqüentam durante a noite ou em dias de chuva. Poucas têm iluminação
adequada, que permita aos moradores ou freqüentadores da região usufruir de uma
área coberta e protegida das intempéries. Há um caso de uma escola de samba no
Rio de Janeiro que se apropriou de uma área sob um viaduto e utiliza para
ensaios que são muito concorridos, mas é um caso único. Quando se projetam
sobre rios as pontes se transformam em verdadeiras arapucas de lixo, galhos,
sofás e tudo o mais que jogamos em seus leitos, de forma irresponsável. Durante
a administração anterior da Prefeitura do Rio houve uma tentativa de abrigar
cooperativas de catadores sob os viadutos da cidade, que foi abortada sem que
soubéssemos os motivos.
Já é tempo de nossos engenheiros, arquitetos, paisagistas e construtores
comecem a pensar e resolver o que fazer “embaixo da ponte”. Como mantê-las, utiliza-las,
conserva-las, habita-las, valoriza-las ou ocupa-las, no mínimo embeleza-las. Garanto que se
uma ponte, ou viaduto, fosse projetado e construído, aqui no Brasil, com a
autoria do arquiteto espanhol Santiago Calatrava, seria considerada obra de
arte, ícone da região, atrativo de turistas e teria equipe permanente de
manutenção. Não estamos advogando que isso aconteça com todas as pontes e
viadutos, mas sim que os que decidem sobre sua construção pensem o que fazer
para ir além da utilidade funcional das pontes e viadutos, determinando o que
acontecerá com sua parte inferior de forma permanente. Afinal não podemos
desperdiçar dinheiro público na construção de algo cujo destino é ser implodido
em administrações futuras, em nome da estética ou da necessidade de uma nova
obra que a substitua, que pode ser um “mergulhão”, destinado a ser mais
horroroso e perigoso ainda.
O profeta Gentileza, figura folclórica carioca, sabia o que
estava fazendo quando resolveu, nos anos 80 decorar com seus escritos os mais de 50 pilares
da Perimetral, viaduto extenso nos
arredores da Estação Rodoviária do Rio de Janeiro.
As transformou em obras de
arte, no sentido literal!
Vamos ver até quando elas resistem!!!
Texto não publicado.