Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

CNAE do Design – Uma luz no final do túnel?


Recentemente por uma portaria do IBGE foi instituído um numero de CNAE para a atividade Design. O CNAE é o Código Nacional de Atividade Econômica, que é dado a todas as atividades exercidas pelas pessoas jurídicas e serve às delegacias da Receita Federal do Ministério da Fazenda para classificar empresas constituídas e caracterizar suas atividades especificas, no CNPJ, em todo o país.

Para a atividade de “Design” o CNAE é 74.10-2/01 e compreende as atividades de "Design de Produtos". Para a atividade de “Design Gráfico e diagramação” o CNAE é 74.90-1/99 e compreende as atividades de programação e comunicação visual. Para a atividade de “Design de interiores” o CNAE é 74.10-2/02 e compreende as atividades de decoração, ambientação e design de interiores. Para a atividade de “Web Design” o CNAE é  62.01-5/00 e compreende as atividades de tudo o que se refere ao uso da internet, como ela é entendida nos dias de hoje.

Mal ou bem isso vem colocar um pouco de ordem na nossa área de atuação, já que por não sermos uma profissão regulamentada, eram constantes as dúvidas como classificar as atividades do design. Durante mais de 40 anos fomos classificados como desenhistas técnicos, como publicitários ou como decoradores, o que deu margem a inúmeros erros de classificação fiscal dependendo de como o delegado local da Receita interpretava a atividade da empresa, que constava em seu contrato social.

A atenção sobre este assunto foi despertada pela exigência do BNDES, em meados de 2010, pelas empresas que se cadastraram como usuárias de Cartão BNDES, para financiamento ao design, com a exigência de que elas tivessem o CNAE 74.10-2-01. Isso porque o BNDES tem a intenção de prestigiar e privilegiar o Design de produtos, criando assim uma insatisfação com as empresas que prestam serviços de design gráfico ou de web, por exemplo. Como se sabe em nosso país é difícil ter empresas de design muito especializadas, já que nossa economia instável requisita sermos flexíveis em nossa oferta de serviços. Todos fazemos de tudo um pouco!

O interessante é que muitas empresas que se dedicavam a design de produtos não possuíam este CNAE, mesmo tendo a descrição precisa da atividade no seu contrato social, já que foram constituídas antes desta definição. Outras empresas eram, por exemplo, escritórios de arquitetura e que praticavam o design com competência, mas sem o CNAE respectivo. Todos tiveram, ou terão, que se recadastrar e assim se enquadrar nas novas exigências para poder serem autorizadas pelo BNDES.

A partir daí haverá uma tendência em se utilizar, cada vez mais o CNAE como elemento balizador da nossa atividade em concursos, em concorrências abertas ou fechadas especialmente no âmbito do poder público. Poderá ser feita assim uma triagem das empresas destas especialidades, em pesquisas ou estatísticas, para concessão de incentivos fiscais, por exemplo, e com isso caracterizar melhor as especificidades dentro da atividade. É preciso acrescentar que cada empresa pode ter mais de um CNAE, abrangendo assim mais de uma atividade, mas isso terá que ser requisitado pela empresa, desde que as atividades constem explicitamente de seu contrato social.

O uso do CNAE pode finalmente colocar nossa atividade em um trilho comum de qualidade, o que nos beneficiará, eliminado as empresas de outras áreas que cada vez mais invadem a nossa praia. Infelizmente ele só se aplica a pessoas jurídicas, não atendendo as necessidades do profissional isolado, autônomo ou empregado, que ainda carece de uma regulamentação real que o torne um profissional pleno e digno, com todos os direitos e deveres de seus colegas arquitetos ou engenheiros.
Mas pelo menos já é uma luz no final do Túnel!!!

Ref. http://www.cnae.ibge.gov.br  -  atividades profissionais e científicas

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Design e Calamidades!


Desde sua fundação a ESDI, a Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro teve um interesse marcante, em temas de projetos com fundo social.  Acreditava-se na escola que a contribuição do design nesta área poderia ser preponderante, o que talvez não fosse uma crença muito compartilhada pela sociedade como um todo. Temas voltados para educação, saúde, reabilitação, calamidades, transportes, mobiliário urbano, sinalização publica, foram prática constante nos primeiros anos de funcionamento da ESDI, tanto nos trabalhos curriculares como nos projetos de graduação.

Instituições internacionais ligadas ao design também patrocinavam concursos com estes temas, enfatizando assim a contribuição da área para sua solução. Em agosto de 1976 no concurso patrocinado pelo ICSID “Design for Disaster Relief”, um projeto de um purificador de água portátil, tipo Mochila, executado pelos meus alunos Henrique Meireles, João Quadros Coimbra e Álvaro Milanez Junior, do 3º ano da ESDI, recebeu menção honrosa e foi exibido em exposição itinerante mundial. Vários outros projetos interessantes foram executados pelos alunos na época, mas somente esse foi enviado para o concurso.

Mais recentemente outros alunos da ESDI desenvolveram inúmeros projetos com o tema "Design para Calamidades", sem nenhuma repercussão entre nossas autoridades. Em 1999 em todas as turmas foram desenvolvidos projetos, com tema único, orientados por mim e pelos professores João Bezerra e Luiz Claudio Portugal durante o ano inteiro. Os projetos compreendiam desde Pás, para remoção de entulho, kits de sobrevivência, embarcações e veículos de resgate a sistemas portáteis de comunicação e localização remota com a utilização de alta tecnologia, disponível na época.
Nossos alunos tiveram certa resistência, no inicio, mas logo se engajaram com um entusiasmo único, ao tema também único! Os alunos do 2º ano se espantaram com o tema de redesenhar uma pá e me perguntavam o que se pode fazer em uma pá??? Descobriram rapidinho! Neste caso, a idéia a que chegamos era a de estabelecer uma norma nacional para se ter uma pá junto a cada extintor de incêndio, nos prédios e casas. Equipamentos que esperamos não sejam utilizados, mas se necessários, estariam a postos.

Os alunos em suas pesquisas, tanto em 1976 como em 1999, já indicavam que a única grande catástrofe na área do Rio seriam as enchentes e enxurradas, o que foi confirmado em gerações diferentes! Por isso não dá para entender, nos dias de hoje, porque essa ignorância sobre o assunto pelas autoridades locais por tanto tempo. Ainda mais pelo fato de ter havido fatos predecessores recentes como as inundações constantes em São Paulo, as de Santa Catarina e de Alagoas, repetidas e em um curto espaço de tempo.


Mesmo com entrevistas, consultas e visitas a Defesa Civil, municipal e estadual, não houve interesse por parte das autoridades em nenhum nível. Os resultados de 1999 foram exibidos em uma expo na ESDI e na FIRJAN, junto a outros projetos de faculdades de design do Rio, com alguma repercussão na mídia, mas sem a divulgação ou o interesse que poderiam ter despertado. Houve esforços de nossos professores junto a revistas para publicação dos projetos, mas sem sucesso. Não tínhamos a internet ainda, na ocasião.


O divórcio entre a universidade e as autoridades políticas neste país é evidente. Mas nestas circunstancias isso deve ser revisto com urgência. Estamos falando aqui dos cursos de design, que são de nossa competência, mas há estudos, projetos e boas soluções disponíveis nas faculdades de engenharia, de geologia, de meteorologia, de informática, de medicina, e muitos outros que estão relegados ao esquecimento nas prateleiras das instituições de ensino e pesquisa. Só falta utilizá-los para com isso salvar vidas, dar assistência temporária e assim reduzir nossos custos humanos, dentre outros!

Os projetos de graduação de design na ESDI, como o da Bianca Melo de Carvalho, de “Mobiliário transportável para abrigo temporário” de 2010 e do Marcello Halfeld, a “Sala de Aula transportável temporária para áreas devastadas”, de 2009, que inclusive ganhou o prêmio “Novos Designers” da ADP, demonstra que temos excelentes soluções disponíveis, recentes, mas com a mesma preocupação lá dos anos 70.

Possuímos uma verdadeira reserva de inteligência com soluções adequadas nas gavetas e prateleiras das universidades e faculdades, em todo o país. Tanto para a fase emergencial, para fase de reabilitação como para a fase de reconstrução. São soluções prontas e cujos custos já foram amortizados. É só lançarmos mão delas.
Num país como o nosso não podemos nos dar ao luxo desperdiçar idéias! Com vontade política elas podem poupar vidas e mostrar nossa inteligência!


Texto não publicado. Fotos: Freddy van Camp - Arquivo ESDI



Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009