Entrevista dada a jornalista Cláudia Ferraz em 2017, para uma matéria que resultou em um livro, publicado pela FIRJAN em 2019, que pretende dar um panorama da indústria de mobiliário no Rio de Janeiro.
Quatro anos depois, verificamos que o “retrato” continua o mesmo, ou com a pandemia piorou muito. Uma pena! Como você avalia o mercado do design brasileiro hoje? É um mercado que cresce, mas sempre acredito que poderia crescer mais, especialmente porque temos um mercado interno forte. Com a nova classe média, o poder de compra gera novas demandas e faz girar a economia. O Brasil inova muito em produtos. No entanto, o designer brasileiro ainda é pouco utilizado pela nossa indústria.
Qual é, no contexto dessa indústria, o papel do designer? Ele é o profissional que vai olhar a empresa, fazer o que seja adequado a ela, mas que principalmente vai colocar uma nova possibilidade no mercado. É dessa forma, aos poucos, que o empresário vai entendendo que o design tem que fazer do dia a dia dele.
E o lugar da indústria carioca nesse panorama? Pois é, a história da indústria no Rio de Janeiro é muito peculiar. É uma indústria que já foi a terceira do Brasil, e hoje está numa posição muito abaixo, em 17 ou 18º lugar. E em design ela já foi pioneira. Na época da Oca, por exemplo, os móveis de classe saíam do Rio de Janeiro. Brasília, quando foi construída, se abasteceu com móveis do Rio de Janeiro. Sergio Rodrigues, alias, ampliou sua empresa devido a essa demanda. E a Oca tinha showroom em São Paulo, em Belo Horizonte e em Brasília. É uma questão de valorização do design em todas as etapas, inclusive na comercialização, e não só vinculado ao desenho propriamente dito. Eu mesmo tive uma experiência muito rica na Oca, trabalhei quatro anos como empregado e mais quatro como consultor. O legal é que eu podia fazer tudo. Fiz mobiliário, embalagens, adesivos de exportação, cartazes de exposição dos artistas. Havia uma receptividade grande ao que se poderia criar. Mas, de forma geral, penso que a indústria do Rio vem perdendo força desde os anos 1960.
A que você atribui esse declínio? Veja, é uma indústria que nasceu sendo também comercializadora dos seus produtos. Cada empresa tinha suas próprias lojas e vendia só através dessas lojas. Por muito tempo foi assim. Hoje o perfil mudou e a indústria não acompanhou. Porque a indústria evoluiu para a produção em alta escala e o Rio de Janeiro sempre se limitou a produzir para o mercado regional. E permaneceu dessa forma, me parece.
A questão da mão de obra, considerada difícil atualmente, é um fator que impede o desenvolvimento da indústria? O problema da mão de obra é que se confunde indústria do mobiliário com marcenaria. E ela não é mais. Ela é de alta escala. Você não pode trabalhar apenas com um material, com a madeira e seus subprodutos. Trabalha-se hoje com metalúrgica, plástico, materiais alternativos, estofaria, papelão etc. Então a marcenaria já não é mais tão importante. Apesar de nos últimos anos ela ter retomado sua importância por meio de jovens designers, que estão produzindo com madeira certificada, reflorestada. Depois dos anos 1980, com o declínio do uso das madeiras nobres por questões ambientais, muita coisa mudou no cotidiano das empresas, aliás muitas empresas, as de médio porte principalmente, não acompanharam as mudanças. Por outro lado, algumas empresas estão utilizando também a madeira de reflorestamento. E nesse panorama todo, a formação da mão de obra praticamente não acompanhou a tendência do uso de materiais diferenciados e de tecnologias próprias. Eletrônica, produção digital etc. essas coisas ainda precisam ser exploradas, integradas na formação profissional, o que acaba refletindo na produção e na qualidade do produto.
Em que medida a Esdi contribui para alterar esse quadro? Como a primeira escola de nível superior na área de desenho industrial no país, a ESDI influenciou todas as outras. Mas foi muito limitada sua influência sobre a indústria do mobiliário. E no Rio poucas empresas utilizaram os profissionais de design, até pelo encolhimento do setor, que eu chamo de uma desindustrialização progressiva. O Rio de Janeiro, entretanto, continua a ser um grande formador de opinião e de designers de nome. Bernardo Senna, Guto Indio da Costa, Sérgio Rodrigues, Zanine e o filho Zanini de Zanine, entre outros. O que ocorre é que a indústria recente ainda não mordeu a isca do design. Eles poderiam se diferenciar. Mas ainda vêem o design como custo e não como investimento. Talvez a crise econômica venha contribuir para alterar esse quadro: o design sendo utilizado para melhorar a produtividade, o uso de recursos, o uso da mão de obra.
Porque o preço não é mais o diferencial. Com a indústria utilizando os mesmos materiais dos mesmos fornecedores, o que sobra é o design.
Publicado em “Retrato de um História Social – A indústria moveleira do Rio de Janeiro” (pag.134 a 137) SENAI/FIRJAN 2019 - CDD749-298153