Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

terça-feira, 23 de março de 2021

Falando de Design

Entrevista dada a jornalista Cláudia Ferraz em 2017, para uma matéria que resultou em um livro, publicado pela FIRJAN em 2019, que pretende dar um panorama da indústria de mobiliário no Rio de Janeiro. 

Quatro anos depois, verificamos que o “retrato” continua o mesmo, ou com a pandemia piorou muito. Uma pena!   Como você avalia o mercado do design brasileiro hoje? É um mercado que cresce, mas sempre acredito que poderia crescer mais, especialmente porque temos um mercado interno forte. Com a nova classe média, o poder de compra gera novas demandas e faz girar a economia. O Brasil inova muito em produtos. No entanto, o designer brasileiro ainda é pouco utilizado pela nossa indústria. 

Qual é, no contexto dessa indústria, o papel do designer? Ele é o profissional que vai olhar a empresa, fazer o que seja adequado a ela, mas que principalmente vai colocar uma nova possibilidade no mercado. É dessa forma, aos poucos, que o empresário vai entendendo que o design tem que fazer do dia a dia dele. 

E o lugar da indústria carioca nesse panorama? Pois é, a história da indústria no Rio de Janeiro é muito peculiar. É uma indústria que já foi a terceira do Brasil, e hoje está numa posição muito abaixo, em 17 ou 18º lugar. E em design ela já foi pioneira. Na época da Oca, por exemplo, os móveis de classe saíam do Rio de Janeiro. Brasília, quando foi construída, se abasteceu com móveis do Rio de Janeiro. Sergio Rodrigues, alias, ampliou sua empresa devido a essa demanda. E a Oca tinha showroom em São Paulo, em Belo Horizonte e em Brasília. É uma questão de valorização do design em todas as etapas, inclusive na comercialização, e não só vinculado ao desenho propriamente dito. Eu mesmo tive uma experiência muito rica na Oca, trabalhei quatro anos como empregado e mais quatro como consultor. O legal é que eu podia fazer tudo. Fiz mobiliário, embalagens, adesivos de exportação, cartazes de exposição dos artistas. Havia uma receptividade grande ao que se poderia criar. Mas, de forma geral, penso que a indústria do Rio vem perdendo força desde os anos 1960. 

A que você atribui esse declínio? Veja, é uma indústria que nasceu sendo também comercializadora dos seus produtos. Cada empresa tinha suas próprias lojas e vendia só através dessas lojas. Por muito tempo foi assim. Hoje o perfil mudou e a indústria não acompanhou. Porque a indústria evoluiu para a produção em alta escala e o Rio de Janeiro sempre se limitou a produzir para o mercado regional. E permaneceu dessa forma, me parece. 

A questão da mão de obra, considerada difícil atualmente, é um fator que impede o desenvolvimento da indústria? O problema da mão de obra é que se confunde indústria do mobiliário com marcenaria. E ela não é mais. Ela é de alta escala. Você não pode trabalhar apenas com um material, com a madeira e seus subprodutos. Trabalha-se hoje com metalúrgica, plástico, materiais alternativos, estofaria, papelão etc. Então a marcenaria já não é mais tão importante. Apesar de nos últimos anos ela ter retomado sua importância por meio de jovens designers, que estão produzindo com madeira certificada, reflorestada. Depois dos anos 1980, com o declínio do uso das madeiras nobres por questões ambientais, muita coisa mudou no cotidiano das empresas, aliás muitas empresas, as de médio porte principalmente, não acompanharam as mudanças. Por outro lado, algumas empresas estão utilizando também a madeira de reflorestamento. E nesse panorama todo, a formação da mão de obra praticamente não acompanhou a tendência do uso de materiais diferenciados e de tecnologias próprias. Eletrônica, produção digital etc. essas coisas ainda precisam ser exploradas, integradas na formação profissional, o que acaba refletindo na produção e na qualidade do produto. 

Em que medida a Esdi contribui para alterar esse quadro? Como a primeira escola de nível superior na área de desenho industrial no país, a ESDI influenciou todas as outras. Mas foi muito limitada sua influência sobre a indústria do mobiliário. E no Rio poucas empresas utilizaram os profissionais de design, até pelo encolhimento do setor, que eu chamo de uma desindustrialização progressiva. O Rio de Janeiro, entretanto, continua a ser um grande formador de opinião e de designers de nome. Bernardo Senna, Guto Indio da Costa, Sérgio Rodrigues, Zanine e o filho Zanini de Zanine, entre outros. O que ocorre é que a indústria recente ainda não mordeu a isca do design. Eles poderiam se diferenciar. Mas ainda vêem o design como custo e não como investimento. Talvez a crise econômica venha contribuir para alterar esse quadro: o design sendo utilizado para melhorar a produtividade, o uso de recursos, o uso da mão de obra. 

Porque o preço não é mais o diferencial. Com a indústria utilizando os mesmos materiais dos mesmos fornecedores, o que sobra é o design. 

Publicado em “Retrato de um História Social – A indústria moveleira do Rio de Janeiro” (pag.134 a 137) SENAI/FIRJAN 2019 - CDD749-298153


Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009