Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Design, Cachaças e Caipirinhas

Todos reconhecem a qualidade que as cachaças brasileiras adquiriram nos últimos tempos. Nossa velha pinga tem se transformado em fenômeno de sucesso não só no país mas também no exterior. Para alguns só podemos tomar a cachaça pura, em cálices, ao estilo “cowboy”, de uma talagada só. Para outros o veiculo é a caipirinha, mistura de frutas maceradas com cachaça e gelo, sorvido aos poucos e na companhia de amigos ou de um bom prato de feijoada.

Para os puristas só é possível se utilizar cachaças de segunda categoria na caipirinha, já que ela não é uma forma “nobre” de degustar uma cachaça, é mais um drinque para estrangeiros ou para diletantes. A caipirinha “nobre” para o brasileiro é com vodka! Não passa pela cabeça deles que a popularização da cachaça deve acompanhar os novos tempos, onde drinques bem elaborados, acessórios, copos e garrafas bem desenhadas fazem parte da qualidade e da cultura do bem beber.

Eu, por exemplo, gosto de uma boa cachaça, bem gelada, o que é uma grande heresia para os puristas conservadores, o mesmo ocorre com uma pinga “on the rocks”. Recorro a um cálice de vidro fino, que coloco no freezer para ter sempre uma boa dose á mão e na temperatura certa, já que ela não congela! Gosto também de uma boa caipirinha e cheguei a desenvolver uma receita simples, para passar aos estrangeiros que se encantam e querem levar uma lembrança de sua estada: Dobrar a quantidade de fruta macerada, com uma boa cachaça e completar com gelo. Esta proporção sempre deu certo e não embriaga rápido.


Quando se trata de acessórios, tenho que admitir que nossos estrangeiros diletantes nos superam no design dos pilões para caipirinha, o que deveria ser privilegio nosso! No Brasil só encontramos pilões muito primários, de madeira e sem nenhum requinte de desenho, eles não acompanharam o crescimento de qualidade de nossas cachaças. Tenho mania de colecioná-los e devo admitir, constrangido, que os designs alemães da WMF e Roesle, em metal, e os austríacos da Leopold, em madeira, tem soluções sensivelmente melhores que as nossas.( Vejam as imagens em anexo). Eles consomem nossa caipirinha, hoje um drink internacional, e declaram seu apreço aperfeiçoando seus acessórios, que são encontrados em qualquer boa loja de departamentos pelo mundo afora. Designers renomados, como Gui Bonsiepe em editorial na revista Form, já declararam publicamente sua predileção pela caipirinha brasileira.


O que me surpreende é que continuamos a não valorizar o que é nosso, nem em termos de design como em nenhuma outra forma. As garrafas padrão para cachaça são uma lástima, as especiais para exportação são piegas e com rótulos ruins, nomes estranhos ou mesmo de duplo sentido. Algumas têm embalagens mais caprichadas mas o design passou longe. Deveríamos ser os melhores em garrafas de cachaça, em pilões para caipirinha, ou em coadores para café, ou mesmo em redes de franquias de venda de café, ao invés de estarmos nos rendendo às Starbucks da vida, afinal esses são produtos autenticamente brasileiros.
Entretanto, continuamos a ter atitudes de colonizado onde acreditamos que o mascate que vem de fora nos trás produtos de qualidade, ou nos dá lições de como devemos ser e nos comportar. Lembram da folclórica historia dos espelhos dados aos nossos primeiros indígenas?

“Em terra de cachaceiro o pilão tem que ser é de pau”!?!? E sempre mal feito????

sábado, 19 de setembro de 2009

O que significa Cultura do Design? 56 questões descompromissadas ao Deus do Design

Porque não existe um Quarteto de Design? Porque não existe um fomento nacional ao design? Porque as pessoas são mais atingidas pelo cinema do que pelo design? Os designers querem apenas ganhar dinheiro, os cineastas não? Os designers são escravos da indústria? Porque não existe um imposto compulsório para os designers? Porque os simpósios de design são tão detestáveis? O design é mais comercio do que cultura? Como podemos fazer um frio produto da indústria nos falar ao coração? O design tem uma função educativa? É um diletantismo do consumo querer possuir coisas belas? O design serve à auto-afirmação? Coisas belas nos provêem com felicidade duradoura? Design precisa ser sempre bom? Um objeto pode ser uma expressão de nossa sociedade? Porque o design acredita não necessitar de uma teoria? Porque qualquer um pode se chamar de designer? A necessidade social do design é um romantismo social irrealista? O design pode ser político? O design tem que ser ético? O bom design é democrático? Pode se decidir democraticamente sobre o design? Precisamos de designers estrelas? Somente os projetos produzidos têm valor? Os melhores projetos acabam engavetados? O que faz um designer ter sucesso? A inteligência prejudica o sucesso do design? Um bom designer pode ser superficial? Os designers não sabem ler? Porque os designers querem sempre reinventar as coisas? Porque os designers não admitem ser inspirados por outros projetos? O sampling só existe na música? As citações só existem na literatura? Porque os designers lidam tão mal com o passado e a tradição? Os designers se interessam por sua própria história? Há designers no Congresso Nacional? São os designers advogados do consumidor ao invés de agentes da indústria? A economia impulsiona o design ou o design impulsiona a economia? Porque os designers se tornaram tão apolíticos? Os designers ouvem o marketing? Como conseguiram os publicitários se afirmar como criativos, quando eles servem mais ao comércio que os designers? Como os criadores de tendências se tornaram tão importantes? Devem os designers ser tão livres como os artistas? Porque os designers acreditam que devem argumentar com os termos do marketing? Porque o significado econômico do design deve ser mais importante do que o social? Porque a divulgação sobre design é tão ruim? Porque não há programas sobre design na televisão? Quem é a Maria Gabriela do design? Quando o design perdeu a sua relevância? Que idiota criou os termos Design Babys e Design Drugs? Porque as instituições do design fazem tão pouco pela imagem do design? Porque acreditamos que o design tenha que ser limitado em relação às fronteiras das outras disciplinas? O design pode ser uma tendência cultural autônoma? Como, em um grupo tão pequeno, não se consegue concordar com alguns ideais? Pode o design transformar a sociedade? Quando se inicia o século do design?

Texto publicado no newsletter "Sinal"
Markus Frenzl ©www.4gzl.de - Tradução: Freddy Van Camp, Abril 2007

Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009