Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Design ignorado – Design ativo

 


Mais uma vez somos confrontados com uma ignorância evidente dos benefícios do design para nossa sociedade e economia. Mais uma vez a CNI, Confederação Nacional da Indústria, lançou um documento destinado a promover seu desenvolvimento nos próximos anos, sem falar em design.

ACNI já esteve sintonizada anteriormente com o fomento ao design. Lançou em 1996, o premio CNI Gestão do Design, onde premiou diversas empresas pelo uso e aplicação do design na sua gestão. Foram agraciadas empresas nacionais e multinacionais presentes no país. O premio vinha no rastro das ações de diversas federações, que na época tinham alguma iniciativa em relação ao uso ou fomento ao design. As federações sempre tiveram uma política de altos e baixos (mais baixos em minha opinião) em relação ao design. A CNI parecia que iniciava uma vertente de defesa e de incentivo ao uso estratégico da ferramenta design, mas isso não se realizou.

As federações seguiram este exemplo e na sua maioria deixaram o design de lado, ignorando seu potencial estratégico e de desenvolvimento. Que se faça justiça à FIEP Federação das Industrias do Estado do Paraná, que abriga o CBD Centro Brasil Design, desde sua fundação como Centro Design Paraná. O estado e a cidade de Curitiba se notabilizam com grandes usuários e beneficiários do uso de design, da comunicação ao urbanismo.

Voltando ao documento liberado pela CNI intitulado Plano de Retomada da Industria, observamos que o design não é mencionado, e nenhum dos itens do relatório. Há uma ligeira idéia de apoio no item referente a inovação apenas. E bastante estranho que o órgão máximo de representação empresarial da industria, não mencione, sequer a possibilidade de incentivo ao ativo mais barato de inovação disponível no país. Isso demonstra mais uma vez a miopia que nossa classe dirigente tem sobre os rumos que nossa industria deve tomar. 

Ao contrario deste fato temos simultaneamente uma demonstração da atividade do design sendo exercida pela classe de profissionais ativos no Brasil, a mais de 60 anos. O Premio Design Movelsul, promovido pela principal feira de mobiliário e com o patrocínio da FIERGS,  também um federação ativa, que acaba de divulgar os resultados de sua primeira fase, onde participaram 575 projetos. Desses foram selecionados 228 para uma segunda fase, por meio de um júri altamente seletivo e competente.Olhando-se o catalogo divulgado dá para ver que esse júri terá dificuldade em selecionar os vencedores, tamanha a qualidade dos projetos apresentados. A indústria moveleira é uma das únicas a tirar real proveito da criatividade dos designers brasileiro, por meio deste tipo de iniciativa.

Isso não impede de termos demonstrações obtusas por parte de nossos governantes. Recentemente o governo de São Paulo decidiu fechar o Museu da Casa Brasileira, a única instituição de peso do país, a exibir e premiar regularmente o design em todas as suas vertentes. O MCB promove desde 1986, o Premio DesignMCB sendo a mais tradicional premiação do segmento de design no Brasil, realizado anualmente com o objetivo de chamar a atenção do setor industrial para a capacidade dos designers brasileiros. Fica aqui demonstrado que o setor público também ignora que o design e fundamental para o progresso cultural e econômico, em todos os setores da sociedade. 

Mais uma demonstração do design ativo brasileiro foi dada pelos premiados no IF Design Award 2023. Este prêmio, considerado o “Oscar” do design mundial é promovido pela Alemanha em Hannover e contempla o que há de melhor no design mundial. O Brasil, sob organização do CBD, tem participado regular e constantemente, desde 2004 e somos recordistas em premiações, nos mais diversos setores do design. Neste ultimo ano participamos com 145 projetos/produtos, conseguimos um total de 68 prêmios, dos quais 3 foram Gold, a mais alta qualificação deste certame mundial de excelência. Não é possível que nossa entidade industrial máxima não tenha conhecimento disto e deixe de lado o item design de seu plano de “Retomada”, sabendo da qualidade de nossos profissionais.

O aumento de competitividade que o design pode trazer a qualquer ramo é conhecido e praticado por todos os países que são “players” decisivos no comércio mundial. O esvaziamento sistemático, que nossa industria sofreu nos últimos anos, poderia ter sido revertida, ou ao menos contida, se seus dirigentes tomassem a rédea de seu desenvolvimento, utilizando, dentre outros o design como diferencial.        

A qualidade de nossos profissionais é reconhecida mundialmente, pois os mais qualificados tem sido recrutados para atuar em empresas globais ou em realidades onde o design faz a diferença. O país não pode prescindir da contribuição do design ao seu desenvolvimento, por mera ignorância de nossa classe dirigente, seja empresarial ou governamental. Isso é demais! 

Esta na hora do Design Ativo, destronar o Ignorado e transformar nossa realidade, projetando a para o futuro!.   

Texto não publicado

2 comentários:

  1. Parabéns Freddy como sempre brilhante em suas colocações e nada mais verdadeiro. Fico muito consternado de ver a situação do design que ajudamos a implantar no nosso Brasil estar hoje assim.
    Espero que sua voz obtenha eco!

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  2. No inicio de 2024, o governo federal anunciou uma nova politica para o fortalecimento da industria brasileira. A NID, masi uma vez sem uma palavra sobre o Design. De forma vaga fala em inovação, mas não detalha o que entendem por isso. Será mais uma oportunidade desperdiçada????

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Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009