Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

terça-feira, 13 de junho de 2023

Coincidência, inspiração, cópia descarada, falta de pesquisa ou IA???

Nos dias de hoje, há uma proliferação de produção de elementos na nossa cultura material . Há coisas demais, produtos demais, consumo demais, vivemos numa sociedade de afluência exacerbada. Ainda assim criamos novos produtos ou itens alem da nossa necessidade ou por causa dela.

O ”mercado” é o grande incentivador desta tendência. Ele inventou o “Benchmarking” que nada mais é que, a análise do que já se faz para poder fazer de novo e melhor. No caso de produtos novos há a Engenharia Reversa, que é a analise de todo um processo, para se refazer o mesmo, da forma original. São duas ferramentas, para uso no mundo competitivo e estratégico e de alta relevância.

Queremos aqui analisar as cópias no mundo do Design, que continuam a ocorrer, mesmo com toda informação disponível. Produtos de sucesso tendem a estimular a criação de concorrentes. Muitas vezes “forçam” a criar concorrentes. Produtos similares são muitas vezes forçados a existir para garantir a sobrevivência de empresas ou produtores. Os consumidores quase sempre ditam a necessidade de existir concorrentes, para assim evitar domínio e monopólio de mercado. Entretanto nem sempre há sucesso na transferência de competências, na busca do novo ou na formulação de uma nova opção. O “mercado” não gosta de coisas novas, especialmente as não “testadas”, por insegurança. Surgem então as cópias. Especialmente das já aprovadas.

No ramo de mobiliário temos o exemplo da famosa Poltrona Mole do Sergio Rodrigues. Quando lançada, nos anos 50, teve nenhuma repercussão. Bastou ganhar um prêmio no exterior para que proliferassem cópias, ou modelos “inspirados” nela. Sergio contabilizou e documentou 30 copias, algumas feitas por grandes designers brasileiros, seus colegas. O designer italiano Vico Magistretti declarou abertamente que seu Maralunga foi inspirado na poltrona Mole. O sucesso inspira a copia!

Cópia ou inspiração???Sergio e sua Mole.
Um modelo diretamente inspirado.
O Maralunga  de Vico Magistretti   
        
Muitas vezes a copia reduz o investimento e economiza no desenvolvimento pela indústria. É como “seguir o caminho das pedras”, velha expressão que significa pisar no caminho conhecido. Em outros casos a cópia é imposta pela “moda”, pela “tendência” que ditam o sucesso, ou o fracasso, da cultura material de uma época, balizando a criatividade.

Lembro de Alexandre Wollner mencionando a “Nikezação” dos logotipos brasileiros, em uma certa época, onde todos tinham uma curva à moda da Nike. Felizmente esta “tendência” passou.

O que constatamos é que a copia sempre tem vida curta. Como ela é imposta pelas circunstâncias não tem, para o produtor a autenticidade de um original. Daí o pouco comprometimento do copiador com seu produto. Como podemos ver no caso citado da poltrona Mole. Ela sobreviveu, e com louvor, a suas copias antigas.

Em alguns casos temos a transposição de velhas ideias como sendo novas.. Continuando no mobiliário, vemos as versões da cadeira Thonet, no original em madeira vergada, agora produzida em tubo curvado e frequentando muitas copas e cozinhas da atualidade. Um bom projeto revisitado ou revisto em outro material.

Há uma crença de que um sucesso merece ser revisto, o famoso “remake”, tão ao gosto da indústria cinematográfica, com suas continuações eternas de sucessos. Há ainda o fenômeno do “vintage”, onde obras que caíram em domínio público são redescobertas. Um bom exemplo é o do Fusca e do New Beatle, uma tentativa de revalorizar um sucesso anterior.


Mas nos dias de hoje temos um fator que contribui muito para a “uniformidade” das soluções oferecidas ao mercado. Os softwares de modelagem que produzem resultados muito semelhantes, já que os atalhos para projeto são comuns a todos os seus usuários. Isso pode ser constatado nas nossas ruas, com os veículos de última geração. Como exemplo todos os SUVs se parecem, só muda o logotipo, sem o qual deixaríamos de identificar esta ou aquela marca. Essa imagem recentemente divulgada demonstra isso!

Na indústria automobilística os faróis atuais e as formas das carrocerias orgânicas não seriam possíveis sem a colaboração dos modernos softwares de modelagem, que todos utilizam, o que ocorre também  em outros ramos industriais, com resultados muito parecidos. Será que é de proposito???


Ás vezes a indústria provoca a cópia, mesmo sem nenhuma culpa aparente. Numa das ultimas feiras de mobiliário e maquinas, vimos um fabricante de madeira moldada oferecendo peças prontas para a execução da cadeira Costela, do Jorge Zalszupin, recentemente falecido. Qualquer marceneiro ou estofador poderá executar copias deste modelo, muito valorizado pelos modernáriatos, sem dificuldade daqui para diante. Como conhecemos de uma famosa emissora de TV: ”Vale a pena ver de novo”!

Cadeira Costela de Jorge Zalszupin

  Para complicar o cenário temos agora a já polemica IA, a     inteligência artificial, que pode oferecer soluções perfeitas e idênticas a realidade pré-existente. Isso até sem a presença de um designer ou criador, que nominalmente se responsabilize pelo resultado. Ainda mais que temos o recurso do “algorítmo” que determina o que o “mercado” quer, nos escravizando ao senso comum. Podemos esperar por um enxame de produtos e ideias com “inspiração” conhecida e evidente em nosso entorno.

Embalagens parecidas de limpador universal.
Na Alemanha existe, desde 1977 uma ação, que se resume em um concurso anual intitulado PLAGUARIUS, que “”premia” as melhores contra facções encontradas, tanto em produtos como em marcas. Eles tem um museu na cidade de Solingen, com os resultados de cada edição. Há diversos produtos brasileiros exibidos. E chineses também! Pelo jeito eles terão muitos novos candidatos, futuramente. (https://www.plagiarius.com)

 No país temos um sistema de proteção da propriedade intelectual e industrial muito deficiente e falho, que não defende a produção brasileira. Há setores que não registram seus produtos, como mobiliário, por exemplo. Há outros que não tem legislação adequada a sua produção, com as fontes tipográficas e as novas mídias. Há setores que só registram as criações de suas matrizes, como o automobilístico, dificultando o registro de soluções nacionais semelhantes ou melhores. Há casos de aceitação de registro de idéias que já são de domínio publico, prejudicando quem propõe soluções nacionais já aperfeiçoadas.

Na medida em que se privilegia o conceito da “inovação” como única solução para o nosso desenvolvimento, temos que acordar para estabelecer um mecanismo moderno e eficiente de proteção contra a cópia e a pirataria. Afinal a propriedade intelectual é um dos ativos principais de um país.

A economia, a sociedade e a criatividade brasileira merecem isso!        

 

   

Um comentário:

  1. Foi noticiado, em 04/06/2023 que o Brasil entrou no acordo internacional que protege os desenhos industriais brasileiros. Com essas novas regras os usuários precisam apenas um pedido para proteger seus produtos em até 96 paises. Finalmente uma boa noticia para os designers brasileiros, até aqui tão pouco protegidos.

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Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009