60 anos ESDI
Fui convidado para participar das celebrações 60 anos ESDI. Sinto-me honrado e, com prazer, vou dar meu depoimento, lembrando e contando, “como se fosse ontem”, de idéias, conceitos, influências e das primeiras medidas para a montagem da escola superior de desenho industrial.Pedro Luiz Pereira de Souza publicou, em 1996, Esdi biografia de uma idéia, até o momento, o único trabalho completo sobre a ESDI. Passaram-se 27 anos e podemos chamar a obra de Pedro “ESDI – primeiro tempo”; não se conhece nenhum trabalho “ESDI – segundo tempo”. Acho que está na hora de comunicar: “a ESDI não parou” - talvez a partir dos próximos depoimentos, tenhamos um conjunto de dados que podem animar para completar a história dos sessenta anos da nossa escola e, eu garanto, toda comunidade esdiana vai ficar imensamente grata.
60 anos ESDI60 anos atrais, eu morava e trabalhava ainda em São Paulo, junto com meu amigo e colega de Ulm, Alexandre Wollner. Um dia encontramos o prof. Carlos Flexa Ribeiro, acompanhado pelo crítico de arte Jayme Maurício, e nessa ocasião ele falou da intenção de fundar uma escola de design no Rio de Janeiro, pelo Governo do Estado da Guanabara. Fomos convidados a conhecer o projeto.
Pouco tempo depois, recebemos um convite, para participar numa reunião na Secretaria de Educação e Cultura, no dia 6 de janeiro de 1963. Gravei para sempre está data, porque a partir desse dia, minha vida tomou um novo rumo.
Na reunião foi apresentado um programa pedagógico para uma escola de design, redigido por um professor vindo de uma academia dos USA.
Será, que nós chegamos para aquele encontro “preconceituosos”, achando logo, qualquer plano de ensino de design fora da HfG/ulm “é coisa descartável”.? Não foi preconceito, porque é um termo feio, mesquinho, dúbio, mau-caráter e de extrema direita. Mas não quero agora, 60 anos depois, ficar avaliando reações e comportamentos. Nós, Wollner e eu, chegamos para a reunião, seguros e firmes da nossa missão como designers. Daqui em diante vou relatar como iniciei meu discurso “com prazer vou contar, como se fosse ontem”
Wollner, como eu, frequentamos durante quatro anos a HfG/ulm, estudando e morando lá, fora da cidade medieval Ulm, em cima de um morro, numa comunidade internacional, num espaço fantástico, especialmente concebido pelo Max Bill “para treinar designers”. Lá só se falou “design”, dia e noite, e apesar de vivemos entre grandes artistas, calou-se a “arte”, que era, muitas vezes, usada com certo cinismo, “está fazendo arte”, quando o projeto se desviava de sua objetividade.
Não me lembro mais dos nossos argumentos, que soltamos neste encontro no Rio; malhamos sim o programa do americano, a gente nada tinha a perder, mas o próprio secretário de educação e os membros da comissão, gostaram de nossa postura meio radical. No final, o Prof. Carlos Flexa Ribeiro perguntou: “vocês querem assumir ?” uma pergunta que pegou a gente desprevenido, sem poder avaliar futuras implicações - topamos. Minha vida, mudou.
Peço desculpas pela minha arrogância, mas em minha opinião, a ESDI, a partir daquela reunião,“salvou-se”. Não quero imaginar, o que teria acontecido com a nossa escola, seguindo as dicas do “especialista” vindo dos USA
Na época, Alexandre Wollner e eu, ambos com 35 anos, formados na HfG/ulm, Wollner em CV e eu design de produtos industriais, já trabalhávamos há quatro anos no País; isto quer dizer que já aplicávamos os conceitos e as metodologias treinadas na HfG/ulm, no campo, na prática, na realidade, junto com as indústrias no Brasil.Acredito que essas foram as qualificações básicas, exigidas ou imaginadas, para assumir uma tarefa de tal responsabilidade.
No fundo, a grande novidade era que o Governo do Estado da Guanabara resolveu implantar uma escola de design não mais no MAM/RJ. Até em Ulm se comentava a intenção do museu de incluir entre suas atividades, o ensino de design. Lembro-me bem das declarações de Niomar Sodré, a diretora do MAM, numa visita em Ulm: “vou fazer a mesma escola no meu museu”. Logo depois, Tomás Maldonado foi convidado para elaborar um programa pedagógico, que ele mesmo denominou como “escola técnica de criação do MAM”.
Em paralelo, o arquiteto do MAM, Affonso Eduardo Reidy adaptou seu projeto para essa finalidade e, aliás, foi o primeiro setor, chamado “bloco escolar” que foi erguido em 1958.
Eu contei uma vez, aqui na ESDI, da minha emoção, do dia da minha chegada no Brasil em dezembro 1958, passando pela Avenida Rio Branco, chegando até o Aterro, descobrindo o Museu de Arte Moderna. Eu, de braços levantados, delirando:” von dort kommen eines schönen tages die brasilianischen designer” de lá, num belo dia, vão sair os designers brasileiros.
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Carlos Flecha Ribeiro que era diretor do MAM, tornou-se secretário de educação e cultura e levou o projeto do MAM para o governo Carlos Lacerda, onde encontrou maior receptividade, principalmente em relação ao desenvolvimento econômico do Estado da Guanabara.
Mas o Museu e o Governo não chegaram num acordo.
Num lado, tinha o MAM, com um programa pedagógico na mão, oferecendo um espaço “funcional” acho, até “deslumbrante”, para uma escola de design e, no outro lado, estava o governo da Guanabara, empolgado: “para formar designers no seu território.” Infelizmente, o Plano-Maldonado ficou na gaveta do museu; o MAM, é uma instituição cultural privada.
Nunca foi bem esclarecido, porque o museu e o Governo não chegaram aum senso comum. Eu atuei durante muitos anos no MAM, e nunca tinha visto um documento, ou ouvido uma palavra, esclarecendo esta dúvida. Só posso adivinhar: o museu estava interessado numa subvenção do Estado, mas queria garantias,da preservação do projeto de Tomás Maldonado. Foi uma postura louvável, mas uma pouco fantasiosa, de encontrar uma entidade governamental, “tão moderna” (atenção: é minha conclusão, de Bergmiller).
O MAM tocou seu projeto arquitetônico: o bloco para exposições e o teatro, enquanto o governo levou o plano da escola de design adiante, mas nos moldes dele: formou uma equipe, mandou levantar e analisar escolas de design no mundo afora e convidou “experts” dos USA e da Inglaterra com o objetivo, de encontrar alternativas ao projeto de Tomás Maldonado.
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Voltando para o convite de prof. Carlos Flexa Ribeiro, secretário de educação e cultura: “vocês querem assumir?” Já tinha uma comissão formada, já tinha um diretor nomeado, já tinha um programa pedagógico proposto, já tinha o nome da escola definido:“ESDI escola superior de desenho industrial” já tinha o local para a escola escolhido, já tinha a data da inauguração marcada: 10 de julho de 1963.
Só tinha seis meses para fechar eventuais lacunas e a maior dúvida era em relação ao programa pedagógico: O prof. Carlos Flexa Ribeiro e a comissão, entre eles Simeão Leal, Maurício Roberto, Flávio de Aquino, Aloísio Magalhães, Zuenir Ventura, não estavam satisfeitos com as sugestões do professor- consultor vindo dos Estados Unidos, porque já tinham noções do que se passava na época na Alemanha, em Ulm, e conheciam o plano de Tomás Maldonado para o MAM, um documento, já falei, que pertencia ao museu.
Cabia agora uma longa legenda sobre a conscientização de design no Brasil. Recomendo ler o livro do professor Pedro e talvez vamos chegar numa conclusão juntos: a idéia de criar uma escola de design no Rio de Janeiro tem suas origens já no início dos anos cinquenta, quase no mesmo período do planejamento e da construção da escola de Ulm.
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O que o secretário de educação e cultura, e a comissão esperaram da nossa colaboração?
Um esclarecimento da didática praticada em Ulm, das inter-relações entre as matérias teóricas e práticas e principalmente os objetivos da formação do designer, no caso da Alemanha, pós-guerra, mas de tradições marcantes como Werkbund e Bauhaus. O que seria a função do designer no Brasil, país que se encontrava ainda numa fase elementar de industrialização? Os métodos de ensino devem considerar isto?
A HfG/ulm não deve ser vista como escola tipicamente alemã, pois era uma instituição internacional, uma comunidade com 50% de estrangeiros, tanto no número de alunos (5 brasileiros) como na composição do seu corpo docente.
Saindo da secretaria de Educação e Cultura que funcionava na época na rua Erasmo Braga, o prof. Carlos Flecha Ribeiro se despediu da gente com um abraço: “Então vamos professor Wollner, vamos professor Bergmiller.” Viramos professores com um tapa nas costas.
Fomos para Evaristo da Veiga 95 a pé, onde uma surpresa, muito delicada, mas inesquecível, esperava por nós: “vimos operários pincelando os caixilhos das janelas e as portas de entrada com tinta branca”- Alex, exclamei, “já estão dando o retoque final na ESDI”: foi o sinal mais evidente para nós: “O Governo do Estado da Guanabara, estava levando o projeto da Escola Superior de Desenho Industrial, a sério, sério mesmo!”
A reforma geral, daquelas “construções centenárias” foi planejada e executada sob orientação dos arquitetos Maurício Roberto e Frâncico Bolonha, que fazem parte da história da arquitetura moderna no Brasil. Maurício Roberto era presidente do IAB e foi nosso primeiro diretor na ESDI, depois ele dirigiu o MAM. Para mim, o arquiteto Maurício Roberto, foi um dos grandes incentivadores de design no País. Tenho boas lembranças do meu amigo Maurício, acho que devemos muito a ele.
Agora, me permitam, quero afirmar: a partir de 1963, o centro, o endereço: “design-brasil”, ficou no centro da cidade do Rio de Janeiro, numa área bem reservada, perto dos arcos da Lapa, com entrada pela rua Evaristo da Veiga e também pela rua do Passeio. “Um verdadeiro oásis”.
60 anos ESDI
Voltamos para São Paulo eufóricos. Assumimos uma tarefa que não podia ser comparada com uma encomenda qualquer, tratava-se de um projeto “nobre”: design de uma escola de design. Mas sentir a confiança do secretário de educação e o entusiasmo da comissão, foi a base ideal para esta empreitada: “a primeira escola de nível superior de design no Brasil e na América Latina”
Cabia a nós a seguinte tarefa: assessorar no programa pedagógico / orientar na formação do corpo docente / estabelecer critérios para admissão de alunos / e especificar a instalação da escola.
Foram muitas “ponte aéreas” e muitas reuniões na secretaria de educação, Flávio de Aquino, redigiu sempre os textos finais, prontos para impressão e divulgação. Flávio de Aquino, assumiu logo depois de Maurício Roberto a direção da ESDI.
Interpretamos e adequamos o programa da hfg/ulm para a ESDI; isto quer dizer, para o Brasil. Não deve ser entendido como mera tradução para português. Acompanhamos sempre, a distância, depois dos nossos anos em Ulm, a própria evolução da HfG mas avaliando como profissionais atuantes no Brasil.
Indicamos profissionais da área de CV e DI que atuavam na época, já com sucesso no mercado, para uma eventual contratação. Entrevistamos docentes do quadro estadual, para a futura “equipe” ESDI. Falei “equipe”, pois o objetivo da ESDI era formar designes, uma profissão nova, que requeria uma integração harmoniosa no corpo docente: Matemáticos, antropólogos, historiadores, economistas, engenheiros, sentando na mesa junto com designers, discutindo os objetivos da escola, fazendo ajustes sempre que necessário.
Uma entidade de ensino, em geral, é julgada pelo nível do corpo docente, mas nós achamos que os mesmos critérios deviam ser validos para as turmas dos alunos. Elaboramos um tipo de vestibular diferenciado, para facilitar e apurar a vocação e o real interesse do candidato para uma profissão ainda desconhecida no país. Chamamos as primeiras turmas da ESDI: “turmas pioneiras” acreditando que elas, uma vez saídas da ESDI, difundiriam a profissão, criando e abrindo o mercado de trabalho para o design.
Instalar a ESDI deve ser entendido: mesas de trabalho e assentos para todos, máquinas e ferramentas para as oficinas metal/ madeira/gesso, laboratório e estúdio fotográfico, tipografia, biblioteca e livros. Na época quase tudo só era encontrado em São Paulo. Com pouca burocracia e muita confiança conseguimos montar a ESDI dentro do prazo previsto.
A ESDI nasceu como escola experimental como nasceu a escola de Ulm. Mas experimental não significou “vamos ver o que vai dar”. Para todas ações, os objetivos foram previamente definidos e depois os resultados devidamente analisados, para prosseguir os próximos passos.
60 anos ESDI
Nos seus 60 anos, a ESDI gerou grandes designers e muitos “mestres de design”. A ESDI serviu de referência para muitos cursos de design no Brasil.
O que deve chamar especial atenção: todos diretores da nossa escola, receberem o básico de design nesta casa, um fato, que deve nos deixar orgulhosos.
Não vou agora começar a enumerar as personalidades que marcaram presença na criação da Escola Superior de Desenho Industrial. São muitos, e sem dúvida, seria uma longa lista, encabeçada por Aloísio Magalhães... Alexandre Wollner,.Goebel Weyne, Zuenir Ventura….da minha parte, só quero acrescentar, não sou fundador; fiz parte sim, de uma equipe de idealistas na implantação da ESDI.
Até agora não citei a Universidade e peço desculpas, pois nos anos sessenta, ninguém podia imaginar, a ESDI, um dia sendo acolhida e integrada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mas felizmente chegamos lá, seguros e maduros e conseguimos manter até a nossa identidade.
Acredito que os diretores e ex-diretores vão reportar seus anos de relacionamento ESDI-UERJ exclusivamente positivos.
Hoje estamos em festa: 60 anos ESDI - parabéns ESDI na UERJ
Me considero um cara de sorte.
minha sorte começou em Ulm
depois recebi a bolsa de estudos para o Brasil
mas o máximo foi a participação na implantação da ESDI
foi num momento, em que eu já estava com meus pés firmes no Brasil
mas a minha cabeça dando voltas ainda em Ulm.
na escola de Ulm, como na escola do Rio, havia muitas coisas em comum:
entusiasmo, pioneirismo, idealismo, um pouco de ”comunismo”
“a vontade de mudar o mundo”
Max Bill discursou na abertura da Hochschule für Gestaltung em Ulm, dez anos depois Carlos Lacerda inaugurou a Escola Superior de Desenho Industrial no Rio
duas personalidades do século XX
Max Bill dinamizou o universo cultural
Carlos Lacerda sacudiu o âmbito político
eu, estava presente – no meio da multidão – de terno e gravata emocionado aqui – emocionado lá
em Ulm, o convidado de honra era Walter Gropius – ex-diretor da Bauhaus
nós alunos, de serviço – eu de garçom
num certo momento, Walter Gropius se virou pra mim:
“Herr Bergmiller, bitte noch ein Glas Wein”
(Sr. Bergmiller, favor mais um golinho de vinho) ...........................................................................
como ele sabia o meu nome ? ........................................
episódio de 70 anos, hoje comemoramos 60 anos ESDI..... .........................................
e as emoções estão de volta: Viva ESDI -
Viva ESDI na UERJ
vamos continuar firmes!
karl heinz bergmiller 24/06/2023