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Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

domingo, 1 de outubro de 2023

60 anos de Design no Brasil - Um depoimento!

60 anos ESDI 

 Fui convidado para participar das celebrações 60 anos ESDI. Sinto-me honrado e, com prazer, vou dar meu depoimento, lembrando e contando, “como se fosse ontem”, de idéias, conceitos, influências e das primeiras medidas para a montagem da escola superior de desenho industrial. 

Pedro Luiz Pereira de Souza publicou, em 1996, Esdi biografia de uma idéia, até o momento, o único trabalho completo sobre a ESDI. Passaram-se 27 anos e podemos chamar a obra de Pedro “ESDI – primeiro tempo”; não se conhece nenhum trabalho “ESDI – segundo tempo”. Acho que está na hora de comunicar: “a ESDI não parou” - talvez a partir dos próximos depoimentos, tenhamos um conjunto de dados que podem animar para completar a história dos sessenta anos da nossa escola e, eu garanto, toda comunidade esdiana vai ficar imensamente grata.

 60 anos ESDI 

60 anos atrais, eu morava e trabalhava ainda em São Paulo, junto com meu amigo e colega de Ulm, Alexandre Wollner. Um dia encontramos o prof. Carlos Flexa Ribeiro, acompanhado pelo crítico de arte Jayme Maurício, e nessa ocasião ele falou da intenção de fundar uma escola de design no Rio de Janeiro, pelo Governo do Estado da Guanabara. Fomos convidados a conhecer o projeto. 

Pouco tempo depois, recebemos um convite, para participar numa reunião na Secretaria de Educação e Cultura, no dia 6 de janeiro de 1963. Gravei para sempre está data, porque a partir desse dia, minha vida tomou um novo rumo. 

Na reunião foi apresentado um programa pedagógico para uma escola de design, redigido por um professor vindo de uma academia dos USA. 

Será, que nós chegamos para aquele encontro “preconceituosos”, achando logo, qualquer plano de ensino de design fora da HfG/ulm “é coisa descartável”.? Não foi preconceito, porque é um termo feio, mesquinho, dúbio, mau-caráter e de extrema direita. Mas não quero agora, 60 anos depois, ficar avaliando reações e comportamentos. Nós, Wollner e eu, chegamos para a reunião, seguros e firmes da nossa missão como designers. Daqui em diante vou relatar como iniciei meu discurso “com prazer vou contar, como se fosse ontem” 

Wollner, como eu, frequentamos durante quatro anos a HfG/ulm, estudando e morando lá, fora da cidade medieval Ulm, em cima de um morro, numa comunidade internacional, num espaço fantástico, especialmente concebido pelo Max Bill “para treinar designers”. Lá só se falou “design”, dia e noite, e apesar de vivemos entre grandes artistas, calou-se a “arte”, que era, muitas vezes, usada com certo cinismo, “está fazendo arte”, quando o projeto se desviava de sua objetividade. 

Não me lembro mais dos nossos argumentos, que soltamos neste encontro no Rio; malhamos sim o programa do americano, a gente nada tinha a perder, mas o próprio secretário de educação e os membros da comissão, gostaram de nossa postura meio radical. No final, o Prof. Carlos Flexa Ribeiro perguntou: “vocês querem assumir ?” uma pergunta que pegou a gente desprevenido, sem poder avaliar futuras implicações - topamos. Minha vida, mudou. 

Peço desculpas pela minha arrogância, mas em minha opinião, a ESDI, a partir daquela reunião,“salvou-se”. Não quero imaginar, o que teria acontecido com a nossa escola, seguindo as dicas do “especialista” vindo dos USA 

Na época, Alexandre Wollner e eu, ambos com 35 anos, formados na HfG/ulm, Wollner em CV e eu design de produtos industriais, já trabalhávamos há quatro anos no País; isto quer dizer que já aplicávamos os conceitos e as metodologias treinadas na HfG/ulm, no campo, na prática, na realidade, junto com as indústrias no Brasil. 

Acredito que essas foram as qualificações básicas, exigidas ou imaginadas, para assumir uma tarefa de tal responsabilidade. 

 No fundo, a grande novidade era que o Governo do Estado da Guanabara resolveu implantar uma escola de design não mais no MAM/RJ. Até em Ulm se comentava a intenção do museu de incluir entre suas atividades, o ensino de design. Lembro-me bem das declarações de Niomar Sodré, a diretora do MAM, numa visita em Ulm: “vou fazer a mesma escola no meu museu”. Logo depois, Tomás Maldonado foi convidado para elaborar um programa pedagógico, que ele mesmo denominou como “escola técnica de criação do MAM”.

Em paralelo, o arquiteto do MAM, Affonso Eduardo Reidy adaptou seu projeto para essa finalidade e, aliás, foi o primeiro setor, chamado “bloco escolar” que foi erguido em 1958. 

Eu contei uma vez, aqui na ESDI, da minha emoção, do dia da minha chegada no Brasil em dezembro 1958, passando pela Avenida Rio Branco, chegando até o Aterro, descobrindo o Museu de Arte Moderna. Eu, de braços levantados, delirando:” von dort kommen eines schönen tages die brasilianischen designer” de lá, num belo dia, vão sair os designers brasileiros. 

60 anos ESDI 

Carlos Flecha Ribeiro que era diretor do MAM, tornou-se secretário de educação e cultura e levou o projeto do MAM para o governo Carlos Lacerda, onde encontrou maior receptividade, principalmente em relação ao desenvolvimento econômico do Estado da Guanabara. 

Mas o Museu e o Governo não chegaram num acordo. 

Num lado, tinha o MAM, com um programa pedagógico na mão, oferecendo um espaço “funcional” acho, até “deslumbrante”, para uma escola de design e, no outro lado, estava o governo da Guanabara, empolgado: “para formar designers no seu território.” Infelizmente, o Plano-Maldonado ficou na gaveta do museu; o MAM, é uma instituição cultural privada. 

Nunca foi bem esclarecido, porque o museu e o Governo não chegaram aum senso comum. Eu atuei durante muitos anos no MAM, e nunca tinha visto um documento, ou ouvido uma palavra, esclarecendo esta dúvida. Só posso adivinhar: o museu estava interessado numa subvenção do Estado, mas queria garantias,da preservação do projeto de Tomás Maldonado. Foi uma postura louvável, mas uma pouco fantasiosa, de encontrar uma entidade governamental, “tão moderna” (atenção: é minha conclusão, de Bergmiller). 

O MAM tocou seu projeto arquitetônico: o bloco para exposições e o teatro, enquanto o governo levou o plano da escola de design adiante, mas nos moldes dele: formou uma equipe, mandou levantar e analisar escolas de design no mundo afora e convidou “experts” dos USA e da Inglaterra com o objetivo, de encontrar alternativas ao projeto de Tomás Maldonado. 

60 anos ESDI 

Voltando para o convite de prof. Carlos Flexa Ribeiro, secretário de educação e cultura: “vocês querem assumir?” Já tinha uma comissão formada, já tinha um diretor nomeado, já tinha um programa pedagógico proposto, já tinha o nome da escola definido:“ESDI escola superior de desenho industrial” já tinha o local para a escola escolhido, já tinha a data da inauguração marcada: 10 de julho de 1963.

Só tinha seis meses para fechar eventuais lacunas e a maior dúvida era em relação ao programa pedagógico: O prof. Carlos Flexa Ribeiro e a comissão, entre eles Simeão Leal, Maurício Roberto, Flávio de Aquino, Aloísio Magalhães, Zuenir Ventura, não estavam satisfeitos com as sugestões do professor- consultor vindo dos Estados Unidos, porque já tinham noções do que se passava na época na Alemanha, em Ulm, e conheciam o plano de Tomás Maldonado para o MAM, um documento, já falei, que pertencia ao museu. 

Cabia agora uma longa legenda sobre a conscientização de design no Brasil. Recomendo ler o livro do professor Pedro e talvez vamos chegar numa conclusão juntos: a idéia de criar uma escola de design no Rio de Janeiro tem suas origens já no início dos anos cinquenta, quase no mesmo período do planejamento e da construção da escola de Ulm. 

60 anos ESDI 

O que o secretário de educação e cultura, e a comissão esperaram da nossa colaboração?

Um esclarecimento da didática praticada em Ulm, das inter-relações entre as matérias teóricas e práticas e principalmente os objetivos da formação do designer, no caso da Alemanha, pós-guerra, mas de tradições marcantes como Werkbund e Bauhaus. O que seria a função do designer no Brasil, país que se encontrava ainda numa fase elementar de industrialização? Os métodos de ensino devem considerar isto? 

A HfG/ulm não deve ser vista como escola tipicamente alemã, pois era uma instituição internacional, uma comunidade com 50% de estrangeiros, tanto no número de alunos (5 brasileiros) como na composição do seu corpo docente. 

Saindo da secretaria de Educação e Cultura que funcionava na época na rua Erasmo Braga, o prof. Carlos Flecha Ribeiro se despediu da gente com um abraço: “Então vamos professor Wollner, vamos professor Bergmiller.” Viramos professores com um tapa nas costas. 

Fomos para Evaristo da Veiga 95 a pé, onde uma surpresa, muito delicada, mas inesquecível, esperava por nós: “vimos operários pincelando os caixilhos das janelas e as portas de entrada com tinta branca”- Alex, exclamei, “já estão dando o retoque final na ESDI”: foi o sinal mais evidente para nós: “O Governo do Estado da Guanabara, estava levando o projeto da Escola Superior de Desenho Industrial, a sério, sério mesmo!” 

A reforma geral, daquelas “construções centenárias” foi planejada e executada sob orientação dos arquitetos Maurício Roberto e Frâncico Bolonha, que fazem parte da história da arquitetura moderna no Brasil. Maurício Roberto era presidente do IAB e foi nosso primeiro diretor na ESDI, depois ele dirigiu o MAM. Para mim, o arquiteto Maurício Roberto, foi um dos grandes incentivadores de design no País. Tenho boas lembranças do meu amigo Maurício, acho que devemos muito a ele. 

Agora, me permitam, quero afirmar: a partir de 1963, o centro, o endereço: “design-brasil”, ficou no centro da cidade do Rio de Janeiro, numa área bem reservada, perto dos arcos da Lapa, com entrada pela rua Evaristo da Veiga e também pela rua do Passeio. “Um verdadeiro oásis”. 

60 anos ESDI 

Voltamos para São Paulo eufóricos. Assumimos uma tarefa que não podia ser comparada com uma encomenda qualquer, tratava-se de um projeto “nobre”: design de uma escola de design. Mas sentir a confiança do secretário de educação e o entusiasmo da comissão, foi a base ideal para esta empreitada: “a primeira escola de nível superior de design no Brasil e na América Latina” 

Cabia a nós a seguinte tarefa: assessorar no programa pedagógico / orientar na formação do corpo docente / estabelecer critérios para admissão de alunos / e especificar a instalação da escola. 

Foram muitas “ponte aéreas” e muitas reuniões na secretaria de educação, Flávio de Aquino, redigiu sempre os textos finais, prontos para impressão e divulgação. Flávio de Aquino, assumiu logo depois de Maurício Roberto a direção da ESDI. 

Interpretamos e adequamos o programa da hfg/ulm para a ESDI; isto quer dizer, para o Brasil. Não deve ser entendido como mera tradução para português. Acompanhamos sempre, a distância, depois dos nossos anos em Ulm, a própria evolução da HfG mas avaliando como profissionais atuantes no Brasil. 

Indicamos profissionais da área de CV e DI que atuavam na época, já com sucesso no mercado, para uma eventual contratação. Entrevistamos docentes do quadro estadual, para a futura “equipe” ESDI. Falei “equipe”, pois o objetivo da ESDI era formar designes, uma profissão nova, que requeria uma integração harmoniosa no corpo docente: Matemáticos, antropólogos, historiadores, economistas, engenheiros, sentando na mesa junto com designers, discutindo os objetivos da escola, fazendo ajustes sempre que necessário. 

Uma entidade de ensino, em geral, é julgada pelo nível do corpo docente, mas nós achamos que os mesmos critérios deviam ser validos para as turmas dos alunos. Elaboramos um tipo de vestibular diferenciado, para facilitar e apurar a vocação e o real interesse do candidato para uma profissão ainda desconhecida no país. Chamamos as primeiras turmas da ESDI: “turmas pioneiras” acreditando que elas, uma vez saídas da ESDI, difundiriam a profissão, criando e abrindo o mercado de trabalho para o design. 

Instalar a ESDI deve ser entendido: mesas de trabalho e assentos para todos, máquinas e ferramentas para as oficinas metal/ madeira/gesso, laboratório e estúdio fotográfico, tipografia, biblioteca e livros. Na época quase tudo só era encontrado em São Paulo. Com pouca burocracia e muita confiança conseguimos montar a ESDI dentro do prazo previsto. 

A ESDI nasceu como escola experimental como nasceu a escola de Ulm. Mas experimental não significou “vamos ver o que vai dar”. Para todas ações, os objetivos foram previamente definidos e depois os resultados devidamente analisados, para prosseguir os próximos passos. 

60 anos ESDI 

Nos seus 60 anos, a ESDI gerou grandes designers e muitos “mestres de design”. A ESDI serviu de referência para muitos cursos de design no Brasil. 

O que deve chamar especial atenção: todos diretores da nossa escola, receberem o básico de design nesta casa, um fato, que deve nos deixar orgulhosos. 

Não vou agora começar a enumerar as personalidades que marcaram presença na criação da Escola Superior de Desenho Industrial. São muitos, e sem dúvida, seria uma longa lista, encabeçada por Aloísio Magalhães... Alexandre Wollner,.Goebel Weyne, Zuenir Ventura….da minha parte, só quero acrescentar, não sou fundador; fiz parte sim, de uma equipe de idealistas na implantação da ESDI. 

Até agora não citei a Universidade e peço desculpas, pois nos anos sessenta, ninguém podia imaginar, a ESDI, um dia sendo acolhida e integrada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mas felizmente chegamos lá, seguros e maduros e conseguimos manter até a nossa identidade. 

Acredito que os diretores e ex-diretores vão reportar seus anos de relacionamento ESDI-UERJ exclusivamente positivos. 

Hoje estamos em festa: 60 anos ESDI - parabéns ESDI na UERJ 

Me considero um cara de sorte. 

minha sorte começou em Ulm 

depois recebi a bolsa de estudos para o Brasil 

mas o máximo foi a participação na implantação da ESDI 

foi num momento, em que eu já estava com meus pés firmes no Brasil 

mas a minha cabeça dando voltas ainda em Ulm. 

na escola de Ulm, como na escola do Rio, havia muitas coisas em comum: 

entusiasmo, pioneirismo, idealismo, um pouco de ”comunismo” 

“a vontade de mudar o mundo” 

Max Bill discursou na abertura da Hochschule für Gestaltung em Ulm, dez anos depois Carlos Lacerda inaugurou a Escola Superior de Desenho Industrial no Rio 

duas personalidades do século XX 

Max Bill dinamizou o universo cultural 

Carlos Lacerda sacudiu o âmbito político 

eu, estava presente – no meio da multidão – de terno e gravata emocionado aqui – emocionado lá 

em Ulm, o convidado de honra era Walter Gropius – ex-diretor da Bauhaus 

nós alunos, de serviço – eu de garçom 

num certo momento, Walter Gropius se virou pra mim: 

“Herr Bergmiller, bitte noch ein Glas Wein” 

(Sr. Bergmiller, favor mais um golinho de vinho) ........................................................................... 

como ele sabia o meu nome ? ........................................ 

episódio de 70 anos, hoje comemoramos 60 anos ESDI..... .........................................

e as emoções estão de volta: Viva ESDI - 

Viva ESDI na UERJ 

vamos continuar firmes! 

 

karl heinz bergmiller 24/06/2023

4 comentários:

  1. Este texto está sendo publicado, como uma homenagem aos 95 anos deste fundador da primeira instituição de ensino de design em nivel superior do Brasil. Foi apresentado por ocasião do inicio das comemorações dos 60 anos de existencia da ESDI/UERJ.

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  2. Sensacional esse depoimento! Adorei é muito verdadeiro.

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  3. Foi a escola onde obtive a maior quantidade de aprendizado de minha vida.

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Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009