Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Manuel Leite Magalhães, sua trajetória e o Design - Uma Homenagem.


Tendo chegado ao Brasil em 1946, vindo de Portugal, Manuel Leite Magalhães logo se estabeleceu no Rio de Janeiro, e se dedicou a atividade de construir móveis, produtos e instalações em madeira. A partir de 1948 se tornou empresário do ramo tendo fundado, ao longo dos anos, as empresas FLAMA, Móveis Açolandia, Estofados ML Magalhães e Móbile Móveis de Escritório, todas, dedicadas a fabricação de móveis residenciais, de escritório e instalações de interiores, sempre de alto gabarito. Todas estas empresas foram iniciativa, de propriedade, ou constituídas com a participação de Magalhães e que se dedicavam a manufatura e a comercialização por meio de lojas próprias. Este processo se consolidou com a constituição em 1956, da ML Magalhães Indústria e Comércio de Móveis S/A que com esta razão social foi sucessora das empresas fundadas em anos anteriores.

 Um Histórico da ML Magalhães Ind. Com. de Móveis S/A

A nova razão social cristalizou um processo de procura por uma identidade própria, de uma nova organização e pela produção em série, com métodos altamente industriais. Foi adotada na mudança para novas instalações em 1965, e coincidiu com uma reorganização e expansão de seu parque fabril.  Mais tarde em 1974, com importação de novos equipamentos e sua especialização em móveis de escritório, a empresa adquiriu sua face mais conhecida, ou seja, a de ser líder no seu segmento no mercado do Rio de Janeiro e uma das dez maiores empresa no pais neste segmento, em sua época.

 Alguns dados sobre a empresa

A empresa teve sede em Olaria com 6.000 m2 de área fabril, e possuía um terreno de 17.000 m2 na Rodovia Washington Luiz ande construiu uma primeira etapa da nova unidade fabril com 2.000 m2, para um projeto total de 12.000 m2. Empregou em média um total de 230 funcionários e técnicos. A fábrica possuía os setores de marcenaria, estofaria, metalurgia, injeção de poliuretano,esta pioneira no Rio de Janeiro, e produziu móveis de escritório e sistemas de móveis, destinados a todos os níveis de hierarquia, assentos de todos os tipos, cadeiras, poltronas e estofados institucionais, além de divisórias piso teto. A comercialização era por meio de Show Room próprio, com equipe de vendas externas no Rio de Janeiro e por meio de representante em São Paulo, Minas Gerais e outros estados.

Magalhães teve sempre uma preocupação social e ambiental reconhecida por todos. No relacionamento com seus funcionários a empresa ofereceu assistência médica, cesta básica, vale transporte e outros benefícios, além de premiações por desempenho. Sua preocupação ambiental lhe rendeu reconhecimento e premiações de organismos internacionais.

Ao longo de sua existência a ML Magalhães foi distinguida como fornecedora de mobiliário institucional, para as maiores empresas brasileiras, sejam nacionais ou multinacionais, além de diversas instituições importantes. Dentre elas podemos citar: Petrobrás, IBM do Brasil, Gillete do Brasil, Banco Nacional, KLM Linhas Aéreas, United Airlines, Rede Globo, GloboSat,  Radio Globo, FIRJAN, FIOCRUZ, UERJ/NUSEG, CEFET/RJ, Papeis Pirahy, Consulado Americano do Rio de Janeiro, TELERJ/TELEMAR, Banco Icatú, Aeroflot Linhas Aéreas, João Fortes Engenharia, BANERJ, Casa da Ciência/ UFRJ, Fórum de Ciência e Cultura/UFRJ, Revendedoras Autorizadas Volkswagen e Honda, GAFISA, Ministério do Exercito, Ministério da Justiça, Centro Cultural da Paraíba, etc. Em termos de divulgação de seus produtos a ML Magalhães teve ativa participação em feiras e exposições como a Brasil Export, Parceiros para o Progresso, Fenavem, Mostra do Móvel de Escritório, Office Solution, Rio Office, dentre outras.

O Design na ML

O empresário Manuel Leite Magalhães sempre se relacionou com arquitetos, designers, artistas e o meio artístico, sendo inclusive um grande colecionador de arte. Na fabricação de móveis, teve uma preocupação com Design, sempre manifestada em declarações públicas ou em entrevistas à imprensa. Tendo ele próprio, no início, se aventurado nesta área, procurou sempre que possível contratar para a empresa, profissionais com formação e competência adequadas às necessidades do seu desenvolvimento.

Desde 1974 a ML passou a investir sistematicamente em Design e obtendo com isto uma sensível elevação de seu percentual de participação no mercado, além de ter se perfilado entre as empresas de melhor padrão do país.  Fato bastante raro em empresas de capital nacional, na época. Aplicou uma política de valorização estratégica do Design, não só nos seus produtos e imagem, mas como fator efetivo de diferenciação, que incluía a prestação de serviços. No ano de 1996 houve expressivo reconhecimento do investimento dessa política de Design. A ML Magalhães foi contemplada com dois prêmios em um só ano! O primeiro, para a linha GAMA de cadeiras que poltronas recebeu o primeiro lugar em sua categoria no Salão DESIGN Móvelsul 96, Bento Gonçalves - RS, considerada a mais importante feira de mobiliário brasileira. O segundo, quando foi premiada com o Selo RioComDesign, conferido pela Prefeitura do Rio de Janeiro e CentroESDI às empresas que mais investiram em Design na cidade. Recebeu ainda o Prêmio CNI Gestão do Design 1970 de reconhecimento nacional.  Design era parte integrante do sucesso da empresa e se refletia desde a manufatura até a comercialização, dentro de um processo de qualidade total a ser perseguido e mantido, de forma coerente e constante. A ML foi a primeira e única empresa brasileira a ser admitida no ICSID, International Council of Societies of Industrial Design, (hoje WDO) como produtora reconhecida de design de qualidade..

Alguns fatos sobre Manuel Leite Magalhães

Como empresário Manuel Leite Magalhães tinha o melhor conceito, tanto entre os seus concorrentes, clientes ou funcionários. Nos 50 anos de atividade empresarial, não foram poucos os funcionários que iniciaram suas carreiras e se aposentaram exercendo suas atividades na empresa. Houve inúmeras situações de cooperação entre a empresa ML Magalhães e seus concorrentes em situações de força maior ou de dificuldades, o que consolidou o nome de Magalhães entre seus pares.

Além disso, sempre procurou manter contato com outras realidades, tendo participado constantemente de caravanas empresariais e visitas a feiras internacionais, se utilizando disto para atualizar a empresa tecnologicamente e em termos de informação. Manuel Magalhães teve também ativa participação no meio empresarial, onde foi fundador e presidente da AFAM  Associação dos Fabricantes de Mobiliário, órgão de abrangência nacional onde defendeu ideias bem definidas e de representatividade do setor e que deu origem a ABIMÓVEL.

Ao longo dos seus anos de atuação Magalhães participou de projetos importantes como, por exemplo, a fundação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro além de ter patrocinado diversos eventos culturais e profissionais. Em conjunto com a FIRJAN e a General Motors do Brasil patrocinou a exposição “ESDI 30 - Conseqüências de uma Ideia”, patrocinou diversas peças teatrais e o mobiliário para a Casa da Gávea, promoveu concurso de Design para estudantes do Rio de Janeiro, além de ter doado móveis para programas culturais na TV Educativa. Magalhães se afastou das atividades de sua empresa em 2000, e ela encerrou suas atividades por volta de 2015.

Um empresário de visão, atuação e competência, como Manuel Leite Magalhães fará muita falta ao cenário econômico do Rio de Janeiro!

 Manuel Leite Magalhães faleceu em 21.10.2020. 

Nossas homenagens a ele!

 

 

2 comentários:

  1. Muito oportuno e justo esse resgate da trajetória de Magalhães.

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  2. Ele é avô do meu esposo. Se viram apenas uma vez na vida.
    Meu esposo tem um vazio enorme por não ter convivido com ele. Mas o empreendedorismo está no DNA da família, Daniel se tornou um grande empresário no ramo do Mercado Financeiro.
    Teriam ótimas vivências a compartilhar…

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Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009