Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Manuel Leite Magalhães, sua trajetória e o Design - Uma Homenagem.


Tendo chegado ao Brasil em 1946, vindo de Portugal, Manuel Leite Magalhães logo se estabeleceu no Rio de Janeiro, e se dedicou a atividade de construir móveis, produtos e instalações em madeira. A partir de 1948 se tornou empresário do ramo tendo fundado, ao longo dos anos, as empresas FLAMA, Móveis Açolandia, Estofados ML Magalhães e Móbile Móveis de Escritório, todas, dedicadas a fabricação de móveis residenciais, de escritório e instalações de interiores, sempre de alto gabarito. Todas estas empresas foram iniciativa, de propriedade, ou constituídas com a participação de Magalhães e que se dedicavam a manufatura e a comercialização por meio de lojas próprias. Este processo se consolidou com a constituição em 1956, da ML Magalhães Indústria e Comércio de Móveis S/A que com esta razão social foi sucessora das empresas fundadas em anos anteriores.

 Um Histórico da ML Magalhães Ind. Com. de Móveis S/A

A nova razão social cristalizou um processo de procura por uma identidade própria, de uma nova organização e pela produção em série, com métodos altamente industriais. Foi adotada na mudança para novas instalações em 1965, e coincidiu com uma reorganização e expansão de seu parque fabril.  Mais tarde em 1974, com importação de novos equipamentos e sua especialização em móveis de escritório, a empresa adquiriu sua face mais conhecida, ou seja, a de ser líder no seu segmento no mercado do Rio de Janeiro e uma das dez maiores empresa no pais neste segmento, em sua época.

 Alguns dados sobre a empresa

A empresa teve sede em Olaria com 6.000 m2 de área fabril, e possuía um terreno de 17.000 m2 na Rodovia Washington Luiz ande construiu uma primeira etapa da nova unidade fabril com 2.000 m2, para um projeto total de 12.000 m2. Empregou em média um total de 230 funcionários e técnicos. A fábrica possuía os setores de marcenaria, estofaria, metalurgia, injeção de poliuretano,esta pioneira no Rio de Janeiro, e produziu móveis de escritório e sistemas de móveis, destinados a todos os níveis de hierarquia, assentos de todos os tipos, cadeiras, poltronas e estofados institucionais, além de divisórias piso teto. A comercialização era por meio de Show Room próprio, com equipe de vendas externas no Rio de Janeiro e por meio de representante em São Paulo, Minas Gerais e outros estados.

Magalhães teve sempre uma preocupação social e ambiental reconhecida por todos. No relacionamento com seus funcionários a empresa ofereceu assistência médica, cesta básica, vale transporte e outros benefícios, além de premiações por desempenho. Sua preocupação ambiental lhe rendeu reconhecimento e premiações de organismos internacionais.

Ao longo de sua existência a ML Magalhães foi distinguida como fornecedora de mobiliário institucional, para as maiores empresas brasileiras, sejam nacionais ou multinacionais, além de diversas instituições importantes. Dentre elas podemos citar: Petrobrás, IBM do Brasil, Gillete do Brasil, Banco Nacional, KLM Linhas Aéreas, United Airlines, Rede Globo, GloboSat,  Radio Globo, FIRJAN, FIOCRUZ, UERJ/NUSEG, CEFET/RJ, Papeis Pirahy, Consulado Americano do Rio de Janeiro, TELERJ/TELEMAR, Banco Icatú, Aeroflot Linhas Aéreas, João Fortes Engenharia, BANERJ, Casa da Ciência/ UFRJ, Fórum de Ciência e Cultura/UFRJ, Revendedoras Autorizadas Volkswagen e Honda, GAFISA, Ministério do Exercito, Ministério da Justiça, Centro Cultural da Paraíba, etc. Em termos de divulgação de seus produtos a ML Magalhães teve ativa participação em feiras e exposições como a Brasil Export, Parceiros para o Progresso, Fenavem, Mostra do Móvel de Escritório, Office Solution, Rio Office, dentre outras.

O Design na ML

O empresário Manuel Leite Magalhães sempre se relacionou com arquitetos, designers, artistas e o meio artístico, sendo inclusive um grande colecionador de arte. Na fabricação de móveis, teve uma preocupação com Design, sempre manifestada em declarações públicas ou em entrevistas à imprensa. Tendo ele próprio, no início, se aventurado nesta área, procurou sempre que possível contratar para a empresa, profissionais com formação e competência adequadas às necessidades do seu desenvolvimento.

Desde 1974 a ML passou a investir sistematicamente em Design e obtendo com isto uma sensível elevação de seu percentual de participação no mercado, além de ter se perfilado entre as empresas de melhor padrão do país.  Fato bastante raro em empresas de capital nacional, na época. Aplicou uma política de valorização estratégica do Design, não só nos seus produtos e imagem, mas como fator efetivo de diferenciação, que incluía a prestação de serviços. No ano de 1996 houve expressivo reconhecimento do investimento dessa política de Design. A ML Magalhães foi contemplada com dois prêmios em um só ano! O primeiro, para a linha GAMA de cadeiras que poltronas recebeu o primeiro lugar em sua categoria no Salão DESIGN Móvelsul 96, Bento Gonçalves - RS, considerada a mais importante feira de mobiliário brasileira. O segundo, quando foi premiada com o Selo RioComDesign, conferido pela Prefeitura do Rio de Janeiro e CentroESDI às empresas que mais investiram em Design na cidade. Recebeu ainda o Prêmio CNI Gestão do Design 1970 de reconhecimento nacional.  Design era parte integrante do sucesso da empresa e se refletia desde a manufatura até a comercialização, dentro de um processo de qualidade total a ser perseguido e mantido, de forma coerente e constante. A ML foi a primeira e única empresa brasileira a ser admitida no ICSID, International Council of Societies of Industrial Design, (hoje WDO) como produtora reconhecida de design de qualidade..

Alguns fatos sobre Manuel Leite Magalhães

Como empresário Manuel Leite Magalhães tinha o melhor conceito, tanto entre os seus concorrentes, clientes ou funcionários. Nos 50 anos de atividade empresarial, não foram poucos os funcionários que iniciaram suas carreiras e se aposentaram exercendo suas atividades na empresa. Houve inúmeras situações de cooperação entre a empresa ML Magalhães e seus concorrentes em situações de força maior ou de dificuldades, o que consolidou o nome de Magalhães entre seus pares.

Além disso, sempre procurou manter contato com outras realidades, tendo participado constantemente de caravanas empresariais e visitas a feiras internacionais, se utilizando disto para atualizar a empresa tecnologicamente e em termos de informação. Manuel Magalhães teve também ativa participação no meio empresarial, onde foi fundador e presidente da AFAM  Associação dos Fabricantes de Mobiliário, órgão de abrangência nacional onde defendeu ideias bem definidas e de representatividade do setor e que deu origem a ABIMÓVEL.

Ao longo dos seus anos de atuação Magalhães participou de projetos importantes como, por exemplo, a fundação do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro além de ter patrocinado diversos eventos culturais e profissionais. Em conjunto com a FIRJAN e a General Motors do Brasil patrocinou a exposição “ESDI 30 - Conseqüências de uma Ideia”, patrocinou diversas peças teatrais e o mobiliário para a Casa da Gávea, promoveu concurso de Design para estudantes do Rio de Janeiro, além de ter doado móveis para programas culturais na TV Educativa. Magalhães se afastou das atividades de sua empresa em 2000, e ela encerrou suas atividades por volta de 2015.

Um empresário de visão, atuação e competência, como Manuel Leite Magalhães fará muita falta ao cenário econômico do Rio de Janeiro!

 Manuel Leite Magalhães faleceu em 21.10.2020. 

Nossas homenagens a ele!

 

 

terça-feira, 11 de agosto de 2020

A APPLE e o Brasil – Ontem e hoje

Esta semana a INFOMONEY publicou a noticia de que o valor da empresa APPLE passou a ser de US$ 1,88 trilhão, superior ao PIB brasileiro de US$ 1,84 trilhão, de 2019. Isso demonstra mais uma vez o fato, já mencionado aqui, de sermos um país sem projeto. O Brasil é a nona economia do mundo, mas ainda não consegue entender em que época está. Esse número nos fez lembrar alguns fatos dos anos 80/90, onde tivemos por momentos uma certa supremacia sobre esta empresa, pelo menos em termos tecnológicos.

Vivíamos uma época de ditadura e de fechamento de nossa economia. A computação pessoal estava se implantando no mundo inteiro e nós decidimos como política “reinventar a roda”. Não podíamos importar equipamentos de informática, no sentido de pretender fortalecer a indústria local. As indústrias nacionais se juntaram as universidades e centros de pesquisa para reinventar o computador pessoal. Ora isso não seria fácil, e por falta de tecnologia instalada anteriormente o recurso de que se lançou mão foi a cópia.

Foi a tônica do momento também em outros países, em meados dos anos 80. Especialmente nos tigres asiáticos, como muitos devem lembrar. Diferentemente dos primeiros PCs, desenvolvidos pela IBM, com patente aberta, os produtos da Apple eram difíceis de copiar, pois tinham características próprias, pensadas para tal. O Macintosh era alegadamente impossível de copiar ou clonar, entretanto uma empresa brasileira o copiou, por meio de engenharia reversa, de forma magistral, a UNITRON. Eles já tinham experiência em copiar produtos da primeira geração da APPLE, assim como a DISMAC, a MILMAR, a CCE e a MICRODIGITAL com o seu famoso TK 2000, todas empresas locais. Estas empresas se desenvolveram sob o guarda chuva da Lei de Informática, que fechava o mercado nacional de forma irracional.

 

O projeto do UNITRON Mac 512 exigiu porem um esforço muito maior, pois envolvia a inclusão de HDs especiais, acionadores de disquete, desenvolvimento de ROM, que resultou ser maior do que o original da APPLE, dentre outros itens, proibidos de importar. Todos estes componentes foram desenvolvidos aqui, com tecnologia de micro mecânica muito precisa, além dos insumos eletrônicos, os CIs, importados ou contrabandeados por alto preço. O desenvolvimento deste parque de fabricantes trouxe, inclusive, fabricantes de microprocessadores, para o país, que com o tempo e o mercado promissor, alimentavam esta demanda da indústria.

Com o governo Collor, estabeleceu-se a abertura do mercado brasileiro em geral. A Lei de Informática foi reformulada em 1991, abriu o mercado para as multinacionais do setor e permitiu a importação direta. Com isso esperava-se que houvesse a modernização do parque industrial pela cooperação das empresas de fora. Não foi o que aconteceu pois as empresas nacionais foram adquiridas, pelas "multis" e muitas foram fechadas sumariamente. Outras, viraram importadoras ou subsidiárias de fornecedores de produtos prontos. O parque industrial da informática brasileiro deixou de existir e com isso nossa capacidade de projeto, se esvaiu. Viramos meros montadores, utilizando os incentivos da Zona Franca de Manaus.

Antes disso, em 1988, tivemos um episódio bizarro, onde executivos da APPLE se mobilizaram, junto com o governo americano e poderosos advogados, para punir a UNITRON, pela sua ousadia em ter copiado, com sucesso, o Macintosh. O clima da época era o de demonizar as cópias, que o governo tinha incentivado, anteriormente. Isso, somado a ameaças de retaliação pelo governo americano, fez com que a UNITRON não pudesse continuar com o projeto. Esse episódio também originou em uma nova Lei do Software, na mesma época.

Tomando-se o exemplo dos chineses, que tem como política obrigatória, a junção de interesses de empresas, constituindo ”jointventures” entre empresas deles e multis, o nosso governo não tomou nenhuma medida semelhante. Se tivesse feito, poderíamos hoje ter o domínio tecnológico que os chineses têm e ainda ser fornecedores a essas empresas, como é a realidade deles. Os chineses foram grandes copiadores no passado, mas com as “jointventures” passaram de copiadores a desenvolvedores de sua própria tecnologia, dominando-a em muitos setores.

Temos, já de muito tempo, por falta de uma política governamental efetiva, deixado a indústria á míngua. Não utilizamos nossas capacidades, nossas possibilidades nem nossa inteligência plenamente. Persistimos em uma política limitada de commodities obtusa e unilateral. Se considerarmos que o valor de um iPhone é equivalente a oito toneladas de minério de ferro, podemos perceber o que estamos perdendo em valor agregado a nossa produção e em especial em domínio do projeto.

Temos perdido pesquisas, projetos realizados com sucesso, pessoal especializado, temos fechado centros de pesquisa e facilidades industriais já estabelecidas. Neste setor tivemos o CPQD Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás fechado, o CTI Centro de Tecnologia da Informática esvaziado, ambos em Campinas, SP, sem falar nas indústrias de CIs/Chips que deixaram o país, já nos anos 90 e nunca retornaram.

 Imagine o que estaríamos ganhando caso houvesse um desenrolar diferente, dessa história e tivéssemos aqui o parque industrial da APPLE, ou parte dele. O valor que mencionamos acima poderia estar em parte, incorporado ao nosso PIB. Além do que eles não teriam as ameaças que estão tendo de retirar suas facilidades fabris da China, com estão tendo agora.

 “..quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

 

Texto não publicado.

 

 

 

 

 

 

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sexta-feira, 15 de maio de 2020

O ambiente de trabalho Pós COVID!


Quando a situação se estabilizar voltaremos a uma “nova normalidade”!?!?

Depois desta quarentena, que temos apoiado integralmente, muitos almejarão retornar a uma proximidade maior, mas terão receio ainda de contágio e propagação do vírus, já que não saberemos se o nosso interlocutor teve, ou não teve o COVID. O que fazer então???Tudo isso dependerá dos novos e futuros conhecimentos que teremos, ou tivermos sobre este vírus tão letal.

Decididamente não voltaremos como “antes”! Teremos um novo “modelo
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Proposta divulgada para o retorno das aulas, em escolas da China.

Porem a economia precisa ser retomada, e o trabalho é que move a economia!
A primeira opção é como ter proximidade e como manter o distanciamento. Nos relacionamentos e isso terá que ser equacionado, especialmente no trabalho.

Já imaginaram se tivermos que nos paramentar daqui para diante como os profissionais de saúde estão se paramentando para podermos trabalhar??? Algumas profissões provavelmente terão sim que se paramentar, mas isso não poderá ser para a maioria.

O que nos resta? O trabalho remoto. Teremos que exercitar uma nova experiência de trabalho a ser ainda formulada. Cada um no seu canto, cada um na sua casa ou em novos ambientes, agora distanciados, mas pensados para a nova era.

Tentaremos transmitir aqui os aspectos relativos aos ambientes de trabalho específicos e de uso mais geral. Sabemos que isso tudo atende a uma camada de usuários e não é ainda nossa realidade universal, onde muitos não têm ainda acesso a internet publica e gratuita, o que já  passou a ser um divisor de águas em nossa sociedade, especialmente a partir de agora.

O verdadeiro início do século está acontecendo!

Já estamos preconizando o “home office” para todas as atividades de estudo, teóricas, administrativas ou burocráticas. Claro que há atividades práticas que poderão ser executadas no “home”, em casa! Mas onde, em casa, esta atividade se dará?

Nem sempre temos um escritório, um estúdio, um ambiente reservado para o trabalho. Não poderemos trabalhar, por longos períodos, na mesa da sala, da copa, ou acocorocados no sofá. São ambientes sociais, onde outras pessoas interagem e não pensados para o trabalho. Isso pode e deve estar acontecendo hoje, mas não é uma possibilidade para o futuro, muito menos para esta nova normalidade que está por vir.

O isolamento que já vivemos, com nossos “Headfones”, nossos computadores pessoais, tablets, Ipads vai ser exacerbado daqui para diante, especialmente em ambientes familiares. As crianças e adolescentes, com suas aulas remotas; a educação à distância, os jogos e lazer; o pai ou a mãe, com seus trabalhos e empregos e eventuais estudos ou os membros da família que forem empreendedores, todos se isolam grande parte do dia. Mesmo os de terceira idade, que queiram se comunicar com parentes ou com a realidade cada vez mais isolacionista que nos espera, por um bom tempo. Todos serão usuários destes “hardwares” que nos manterão em rede, com os “nós” de um metro e meio de distância! O trabalho em casa vai necessitar de uma nova realidade doméstica e vai modificar a nossa relação funcional e empresarial com o espaço de trabalho.

As empresas, com o resultado da experiência atual, vão querer continuar a economizar em espaços de trabalho. Muitos prédios de escritório perderão sua função ou serão reduzidos ao mínimo, já que o trabalho remoto será bastante utilizado. Os que restarem serão não só reduzidos e muito modificados. Se continuarem provavelmente terão que mudar seu layout, mobiliário e equipamento, o seu caráter.

Hoje em dia, já não há mais armários ou arquivos, pois se guarda tudo na memória das máquinas ou na nuvem. Haverá menos postos individuais de trabalho e mais mesas de reunião ou de trabalho coletivo, como em parte já ocorre. Mas agora ao invés dos escritórios panorâmicos, invenção dos anos 60/70, voltarão os espaços compartimentados, com divisórias, mantendo uma “gestão da distância” criando os possíveis isolamentos necessários. Precisaremos de mais locais com projeção e mais câmeras para comunicação à distância. Tudo que acelerar a produtividade deverá ser considerado.

Os que estiverem obrigados a trabalhar nestes locais, formando equipes pedirão mais “facilities” para o local; cantinas ou “coffeshops”; locais para descanso ou reuniões informais, eventualmente vestiários e academias para exercícios ou relaxamento e locais para abrigar bicicletas ou patinetes, em um novo meio de deslocamento. Estas facilities servirão como atrativos e compensação para retirar funcionários de suas casas, já que trabalhar remotamente ou de casa significara maior liberdade, mas em um ambiente fechado põem em risco a segurança para contágios.

Isso já vem sendo preconizado em empresas mais avançadas e no exterior, mas isso deverá ser adotado entre nós de forma mais abrangente. Locais para receber deliverys terão que ser pensados. Já há opções “contact less” que poderão se generalizar. Comer em restaurantes, com aglomerações será descartado por um bom tempo. Importantíssimo serão as facilidades tecnológicas, como excelentes redes de comunicação, facilidades de tele conferência, acesso a periféricos e suporte técnico, facilidades digitais de todo tipo, eletricidade, iluminação, acústica, refrigeração ou aquecimento, acesso a desinfecção, etc.

Um problema específico é o do condicionamento de ar destes ambientes. Todos os sistemas deverão ser repensados, ou substituídos, pois eles podem ser transmissores de contágio, ao longo de seu uso, mesmo que sejam tomadas todas as precauções, hoje já difundidas.
  
O resultado final é que vai haver, com certeza, uma re-significação espacial nos ambientes de trabalho.

Claro que o mobiliário, que terá que ser redesenhado, passará a ser um fator de conforto a ser considerado. Mesas com ajustes de altura, para atender a ergonomias diferentes; dispositivos de privacidade e acústica; disponibilidade de telas mais amplas, para tele conferencias, do que as atuais dos laptops; cadeiras ativas, confortáveis e ajustáveis, que já existem, mas deverão ser utilizadas de modo mais universal do que atualmente, especialmente no que se refere a seu custo. Teremos que replicar o “estar em casa” para tornar o escritório atrativo. Ajuda a manter a eficiência mesmo á distância!

No âmbito doméstico isso também se refletirá. A necessidade de mobiliário próprio para trabalho, com os suportes adequados as novas necessidades, internet mais confiável, no-breaks para falta de energia, suportes para câmeras e periféricos, isolamento acústico variável, ou permanente, que permita privacidade acústica e visual junto a outros familiares, além de tratar assuntos confidenciais, etc. Como haverá mais tempo disponível isso exigirá eventualmente até um espaço próprio e isolado para trabalho, um quarto ou as antigas dependências de empregada, semi isoladas do ambiente doméstico. Deve-se considerar que este espaço possa, equipado, ser utilizado por gerações diferentes e gêneros diferentes, em horários diferentes, cada um com suas necessidades especiais (ergonomia, materiais, suportes, etc.).

Não sei se os espaços de “co-working” hoje disponíveis e bastante populares, continuarão a se desenvolver como até aqui. O fenômeno das “startups” terá também uma modificação e os espaços hoje utilizados, talvez tenham que se adaptar a esta nova gestão da distância. As medidas de desinfecção serão também decisivas no design de todos esses espaços, exigindo materiais e acabamentos resistentes, que suportem este novo hábito, que vem sendo instalado entre nós.

Esta discussão entre escritório panorâmico e o “home office” já vinha sendo travada, desde os anos 70, por planejadores e sociólogos, especialmente na Alemanha, com defensores em ambos os lados. O aumento da população urbana, o distanciamento de casa para o trabalho, os congestionamentos diários, a mobilidade requerida pelo distanciamento, os fatores ambientais daí resultantes, forçaram a uma mudança que vem sendo implantada, mas muito lentamente. Foi preciso o advento da informática generalizada, primeiro e agora esta pandemia, para que ele realmente fosse levado a sério e acelerasse sua implantação de vez.

A descentralização, a economia no deslocamento, a necessidade de conforto familiar, além de tempo para o lazer, cada vez mais necessário, pode nos indicar e conduzir a uma profunda mudança nos nossos hábitos futuros. Isso, inclusive se refletira no futuro desenho de nossas cidades. O ”retrofit” de prédios atuais e a implosão de áreas ociosas inteiras, criando mais espaços de uso, podem ser resultados que veremos acontecer. Haverá, certamente, uma grande modificação no nosso meio ambiente construído, nestes próximos tempos.

Já há soluções indicadoras para muitos destes assuntos: Mesas de trabalho adequadas ao uso em residências, com acessórios componíveis, coisa que só encontrávamos em sistemas de escritório, já estão disponíveis, assim como cadeiras ativas de diversos modelos. Estes itens precisarão ser atualizados ou redesenhados com detalhes ou acessórios advindos da nova realidade normal: armazenadores de máscaras, suportes para álcool gel, porta luvas, etc. Sempre haverá um aspecto a ser revisto com o passar do tempo. Flexibilidade e multi-funcionalidade são aspectos que estão vindo à tona, novamente, para atender aos nossos novos anseios.

Há ainda outros ambientes de trabalho remoto que precisam ser estudados, o das costureiras, dos joalheiros, dos artesãos, dentistas e prestadores de serviços diversos, por exemplo, só para citar alguns, que necessitam de itens muito específicos de suporte. Mas isso deverá e poderá ser abordado em outra ocasião e em uma discussão mais abrangente.

A “nova realidade” do trabalho e de seu ambiente ainda precisa ser mais estudada!


Texto de palestra proferida "on line" para a UNIOESTE em 06/05/2020 a convite da Profª Luli Hata.

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Arno Votteler - 25/05/1929 - 28/02/2020 Uma legenda do Design



Conheci Arno Votteler em 1967, quando esteve na ESDI, a convite, para dar um curso sobre Design de cadeiras. Ele estava no Brasil com o objetivo de implantar na empresa Giroflex, em São Paulo, uma nova linha de cadeiras para escritório, que acabara de desenvolver e lançar na Europa.


Foi um curso rápido, mas importante, pelos princípios que demonstrou para nós, como o de se projetar um produto como um sistema considerando as inovações e a ergonomia, que na época era uma absoluta novidade. Ele propunha produtos compostos por componentes comuns, que intercambiáveis, formavam novos modelos de cadeiras, formando uma linha, ampliando sua oferta ao usuário, ou a noção do sentar dinâmico, onde o usuário tem diversas posturas de sentar e as cadeiras dando o suporte adequado a cada uma delas, eram alguns deles. Estes princípios se tornaram parte integrante de minha atuação, dali para diante.

Votteler era docente na HfBK Braunschweig, no norte da Alemanha e já tinha uma carreira influente no cenário local. Foi um dos fundadores da VDID, a associação de profissionais alemães, uma das primeiras reconhecidas pelo ICSID e que já trabalhava desde o final dos anos 50, pelo reconhecimento da profissão no país. Já tinha uma atuação profissional, com vários produtos premiados com o IF em Hannover, o Oscar do Design.

Nascido em Freudenstadt, na Floresta Negra, tinha estudado em Stuttgart com Herbert Hirsche, ex-aluno da Bauhaus. Trabalhou em indústria, na Alemanha, foi assistente de Robert Gutmann na Inglaterra. Dentre seus projetos se destacaram o primeiro sistema modular de superestrutura e interiores para navios, para a Blohm+Voss, o primeiro gabinete para a TV em cores da Blaupunkt, diversas cadeiras para a Walter Knoll, hoje consideradas clássicas, mobiliário para escritório para a Stoll Giroflex, dentre outros.

Em Braunschweig, Votteler tinha um escritório bem equipado e com equipe multidisciplinar envolvido em projetos diversos, como uma proposta de habitação para o futuro, sistemas de mobiliário para cozinhas modulares, equipamentos de som, etc. Na escola, além de dar aulas na graduação foi responsável pela criação, em 1970, do primeiro curso de pós-graduação da Alemanha, em nível de mestrado, de Design Ambiental, para onde se transferiram diversos ex-alunos da HfG Ulm, que acabara de fechar as portas.


Tive a feliz privilégio de estudar e trabalhar com ele, já que vinha de uma passagem pelos Estados Unidos, onde tinha ido estudar, sem suporte financeiro de nenhuma espécie. Reagan era governador da Califórnia, onde eu estudava na UCLA e criou uma taxa extra para estudantes estrangeiros que me impedia de continuar o mestrado, recém iniciado. Votteler, para quem escrevi, relatando meu problema, recebeu-me de braços abertos, admitindo me como seu aluno na HfBK, justamente no curso recém criado, me ofereceu um estagio em seu escritório, que ficava convenientemente ao lado da escola. Isso permitiu me manter em Braunschweig, no norte da Alemanha por mais quatro anos.

Para minha felicidade o projeto da habitação para o futuro, W’80, uma pesquisa para a BASF, estava em andamento e fui alocado nele, como parte da equipe responsável pela ambientação final e prototipagem. Um projeto único e desafiador, o de prever o futuro na habitação. Com isso aprendi outro ensinamento fundamental: o trabalho em equipe. Em design ninguém faz nada sozinho. É essencial o trabalho em equipe e mesmo o designer autoral não escapa de depender de terceiros, ou colaboradores, direta ou indiretamente. A valorização do trabalho em equipe foi sempre uma característica acentuada por Votteler e que me marcou fortemente. Esse princípio veio reforçar o que praticávamos na ESDI, durante nossa formação.

Votteler já tinha montado um programa de intercâmbio, com escolas fora da Europa, especialmente com os alunos e professores da Ohio State, nos EE.UU. Tínhamos então constantes visitas, além de muitas atividades de profunda inter-relação cultural e de experiências diversas. Como Votteler mantinha relações com o NID, escola de Ahmedabad, onde tinha lecionado, convivi, no meu primeiro ano, com estagiário desta escola da Índia, o que foi culturalmente impactante, se contrapondo ao pensamento funcionalista alemão, reinante na época. Esta visão holística do design e sua aplicação universal foi muito enriquecedora e me abriu novos horizontes. Isso marcou-me de tal forma que iniciei, mais tarde, um programa semelhante na ESDI, durante um dos meus mandatos como diretor. Ao definir sua importância, Votteler usava uma figura de retórica muito interessante a respeito: dizia que você olha a sua mão (o design) colada ao nariz, você precisa, afastar a mão para vê-la na totalidade! Essa era a função essencial num intercâmbio. Aprender sobre a sua realidade, afastando-se dela, pois assim consegue vê-la de forma critica e na sua totalidade. Nada mais verdadeiro, devo dizer.

Anos depois Votteler mudou-se para Stuttgart, onde foi suceder a seu mestre Herbert Hirsche, que se aposentara. Na Akademie onde lecionou até se aposentar sempre promoveu discussões muito intensas no Weissenhof-Institut que lá criou. Estes seminários e exposições que promoveu, resultaram em publicações importantes para o desenvolvimento do design alemão contemporâneo. Ele acreditava na “multi- funcionalidade”, significando que um objeto ou solução deve extrapolar sua função sempre, oferecendo algo a mais além de sua natureza especifica. Em todos os projetos em que trabalhamos essa era a tônica. Outro princípio que defendia era que se deveria sempre respeitar a última ideia, ou seja, se um projeto esta pronto para ser apresentado, caso surja uma nova ideia melhor, deve ser revisto, antes de apresentado, mesmo que custe atrasos. Isso às vezes causava grandes frustrações na equipe, pois na vigésima quinta hora tínhamos que revisar o que seria apresentado, pois ele tivera uma ideia melhor. Ele estava certo, já que isso quase sempre se justificava!


Sua experiência, de anos, tinha lhe dado alguns conceitos, que Votteler respeitava com muita convicção: somente trabalhava para clientes que ele pudesse considerar como eventuais amigos, o que muitos se tornavam ao longo do processo. Isso não significava que todos o fossem, mas poderiam ser, se assim a realidade os tornasse. O diálogo com os clientes ele praticava diuturnamente, ouvindo suas necessidades, suas angústias, suas dificuldades. A muitas delas ele se opunha, sempre com argumentos sólidos e estudados quando necessário. Eles o respeitavam por isso e tudo acabava em lautos jantares, em sua casa, servido por Dori, sua esposa, acompanhados de vinhos exclusivos de sua adega. Sempre foi um prazer trabalhar com ele e seus clientes.

Arno Votteler foi, para mim, uma verdadeira escola, além de minha graduação e de tudo que aprendi com outros mestres. Ele, que se tornou um verdadeiro amigo, me propiciou grande parte do que sei e que faço questão de passar aos meus colaboradores e alunos, sempre que a oportunidade se apresenta. Uma verdadeira legenda para mim.
Valeu e muito Arno Votteler! 

Arno Votteler - 25/05/1929 - 28/02/2020


A Design Legend

I met Arno Votteler  in 1967, when I was a student at ESDI, the Brazilian design school in Rio, and he a guest lecturer giving a course about chair design. He was in Brazil, at Giroflex in São Paulo, to introduce a new line of office chairs that he had developed recently in Europe.

It was a very short course, but important, because of the principles he introduced to us, like conceiving a product as a system and considering the innovations and ergonomics. These were an absolute novelty at that time. He proposed products composed of common interchangeable parts, that would create new chair models as part of a collection, enlarging the users’ options, and envisaged dynamic seating, in which the user can assume different seating postures with the chair giving equal support to each posture. Those principles became part of my design practice from then on.

Votteler was a professor at the HfBK Braunschweig, in Northern Germany and had a very influential career in the local scene. He was one of the founders of the VDID, the German professional designers association, one of the first recognized by ICSID, and the one that was involved from the 50s in the accreditation of the profession. He had a quite successful professional career, with several products awarded the IF in Hannover, the Design Oscar.

Born in Freudenstadt, in the Black Forest, he studied in Stuttgart under Herbert Hirsche, a former Bauhaus student. Votteler worked for industry in Germany and was an assistant to Robert Guttmann in Britain. Among his projects we could point out the modular system for the interiors and superstructure for cargo ships by Blohm+Voss, the first color TV cabinet for Blaupunkt, several chairs for Walter Knoll, today considered classic pieces, office furniture for Stoll Giroflex, and many others.

In Braunschweig, Votteler had a design office, well-equipped and with a multi-functional team involved in diverse assignments, like a living environment for the future, modular system for kitchens, sound equipment, etc. At the school, besides giving classes to undergraduate students, in 1970 he created the first graduate course in Environmental Design in Germany, which was attended  by several  former students from the HfG Ulm, then recently closed.

I had the luck and privilege of studying and working with him, since I came from a stay in the US where I had gone to study, without any extra financial support. Reagan was governor of California, where I was at UCLA, and imposed extra tuition fees for foreign students that prevented me from continuing my master studies, recently begun. Votteler, to whom I wrote explaining my problem, accepted me with open arms, admitting me as a student at the HfBK, just as the new course opened, and offered me a internship at his office, conveniently located right across from the school premises. This made it possible for me to stay in Braunschweig, in the North of Germany for another four years.

In another happy coincidence, Project W80, researching the living environment for the future for BASF, was in its middle phase, and I was assigned to it as part of the team responsible for the final layout and prototype. A unique and challenging project: to propose the future of our living environment. With this I learned something fundamental: team work. In design nobody can work alone. Team work is essential in design, even the individual designer depends on third party suppliers or collaborators, direct or indirectly. Team work was always accentuated by Votteler and that impressed me very deeply. These principles came to reinforce what we had put into practice as students at ESDI, in Rio.


Votteler established an exchange program with design schools outside Europe, especially with students and teachers of Ohio State, in the US. Through that we had constant visits and other activities of strong cultural inter-relations, and diverse common experiences. As Votteler had relations with NID, the Ahmedabad Design school, where he taught, we had a Indian practitioner from this school during my first year. That had a great cultural impact on me, since it was a true counterpoint to the German functional thinking supremacy of those times. This holistic design view and its universal application were very enriching to me and opened new perceptions of the field. This was so important that later I began a similar program at ESDI during one of my mandates as Director. When supporting its importance, Votteler used a very interesting rhetorical figure: He said that when you look and see your hand (design) close to your nose, you have to move it away if you want to see it in its completeness! That was the purpose of an exchange program: learning about your own reality by taking a step back from it, so that you can see it critically and in its totality. Nothing but the truth I must say!

Years later Votteler moved to Stuttgart, where he was to succeed his master Herbert Hirsche when he retired. At the Akademie where he taught until retirement he promoted intense discussions and events at the Weissenhof Institut he established there. The seminars and exhibitions he organized resulted in important publications for the development of contemporary German design. He believed in “multi-functionality”, meaning that an object or solution should always go beyond its primary function, fulfilling more than its core purpose. In all the projects we worked on that was the tone. Another of his principles was that we had always to implement the latest Idea. That meant that whenever a project or solution was being prepared for presentation, if a better Idea arose, it had to be included in the final presentation, even if costs were incurred. That caused the team great frustration, because at the last minute we often had to revise all that was done and ready for presentation, since he had had a better idea. But he was right and it was always justifiable.

In his long experience, Votteler had many concepts and beliefs and his motto was that he would work only for clients who could be eventually considered as friends. That didn’t mean that all became friends, but they could if things worked out well, and many did. He maintained a constant dialog with clients. He listened to their needs, their difficulties, and their afflictions. Many views he opposed, but always with solid arguments when necessary. Clients respected him for that and it often all ended in magnificent dinners in his house, served by Dori, his lovely wife, with some very good wines from his cellar. It was always a pleasure to work with him and his clients.

Working with Arno Votteler was for me a true education, after my graduation and all I’ve learned with other masters. He turned out to be a good and special friend over the years, and gave me much of what I know. I do my best to pass on this knowledge freely to my students on any occasion I get. A true design legend for me!
It was very much worthwhile, Arno Votteler!
 

Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009