Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

terça-feira, 26 de abril de 2011

A destruição das marcas brasileiras

O Brasil carece de marcas tradicionais e de renome internacional. Há alguns exemplos de marcas que transcendem nosso país ou cultura, mas não na proporção necessária a um player de nosso nível no mercado mundial.


Havaianas, H Stern, Vale, Marcopolo, Embraer, Grendene, O Boticário, Petrobrás, Itaú, 51, Brahma, Rock in Rio, Sadia são alguns dos bons exemplos de marcas que conseguiram ultrapassar nossas fronteiras e ter algum reconhecimento no mercado mundial, como associadas a nosso país. No entanto ainda estamos longe da repercussão que nossos amigos coreanos adquiriram com suas marcas, quase que desconhecidas a duas décadas atrás. Hoje temos diariamente em nossos jornais anúncios de pagina inteira promovendo e comparando produtos coreanos da Hyundai com produtos da alemã BMW e se dizendo melhores, por exemplo. Estes produtos inundam os mercados mundiais incluindo o nosso. Nos anos 60 a economia coreana, suas marcas e seus produtos eram inferiores aos brasileiros. Então o que aconteceu? Sem entrar no mérito dos coreanos, analisaremos o que houve deste lado do hemisfério em relação às marcas.


Sempre tivemos um olhar colonizado para produtos e marcas, sempre valorizamos o que vinha de fora, independente de sua qualidade. Nunca fomos conscientes de que nossa cultura de marca valesse alguma coisa. A valorização do que vinha de fora sempre suplantou nossas origens. Fora algumas cidades, os nomes indígenas, por exemplo, são raramente adotados em qualquer aspecto de nossa economia. Já os estrangeirismos, especialmente de origem européia, são muito comuns. Os nomes americanizados também são comuns, especialmente em certas regiões do país onde são dados ate ás nossas crianças. No nordeste, por exemplo, a profusão de Daisys, Robertsons, Jailsons e outros “..sons” sempre são muito comuns.


Entretanto temos e já tivemos marcas de tradição que se estabeleceram por décadas, promovendo serviços e produtos de qualidade na economia brasileira. Estas marcas sobreviveram durante anos de subdesenvolvimento, de ditadura, de inflação desenfreada, de juros altos, de abertura da economia sem critérios. Foram se submetendo as regras do mercado, que as fizeram sucumbir à falta de gerenciamento, a fusões incentivadas com multinacionais e a aquisições agressivas só com o objetivo de retirá-las do mercado. Em nome das regras do mercado perdemos marcas como Cobra, Gradiente, Gessy, Gurgel, Jornal do Brasil, Kolinos, Labo, l’Atelier, Mesbla, Oca, Polivox, Puma, Rima, Sendas, Scopus, Unitron, Varig, VASP, Vemag, Willys, Zivi Hercules, dentre outras.


Sabemos que todo produto, empresa ou evento comercial ou industrial tem uma marca. Ela pode ser tradicional, com muitos anos de existência ou pode ser uma marca inteiramente desconhecida. A marca pode ser solida, com significado e identidade ou pode ser anônima sem nenhuma relação com o mercado onde ela atua. Uma marca é algo difícil de ser estabelecida, pois leva tempo, esforço e naturalmente divulgação. A marca quando estabelecida em uma determinada área é difícil de ser modificada. Uma marca tem sempre um significado de experiência emocional e de valor. Para exemplificar suponha o lançamento de um uísque de primeira linha com a marca de uma cachaça popular... Não daria certo com certeza. São conhecidas marcas que transmitem a imagem de produto esportivo, de produto sofisticado, de produto de alta qualidade. É sempre a marca que determina a imagem do produto, sendo difícil a situação inversa. No Brasil mesmo os segmentos mais óbvios, como o do café, por exemplo, carecem de marcas de expressão internacional, pelo simples fato de nunca terem sido implantadas. Como exportadores de commodities nunca nos preocupamos em estabelecer marcas de varejo com um viés internacional de personalidade. Mesmo tendo disponível um excelente design gráfico alem de uma publicidade de alta qualidade.

A marca Walita, tradicional em eletrodomésticos, comprada há alguns anos pela Philips, esta sendo lentamente desmobilizada, neste momento, tendo seu nome justaposto e brevemente substituído pela da multinacional. A Varig foi adquirida pela Gol, mas está sendo obviamente relegada a segundo plano, apesar de seu imenso patrimônio de qualidade e de tradição na aviação. Não temos, da mesma forma, uma única marca nacional de automóveis, mesmo sendo grandes fabricantes de veículos e por não termos uma política de preservação de nossas marcas notórias estamos assistindo a uma verdadeira destruição da identidade das marcas brasileiras.


Brevemente não teremos mais marcas nacionais pelas quais torcer, nem teremos mais lembranças de marcas brasileiras que nos acompanharam pela vida toda. Temos que reverter esse processo, com urgência por meio de uma política de estado que tenha a função de preservar nossas marcas, de valorizar nossas marcas notórias, nossos símbolos de identidade.


A marca é o maior patrimônio de uma empresa, frase cunhada pelo mundo empresarial e repetida inúmeras vezes por todos que discutem o assunto. O Brasil está perdendo a batalha pelo seu patrimônio de marcas, por não ter uma visão abrangente de como manter o valor de sua identidade empresarial.


Necessitamos que isso seja revertido em breve!

Texto não publicado - Abril 2011

Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009