Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

A APPLE e o Brasil – Ontem e hoje

Esta semana a INFOMONEY publicou a noticia de que o valor da empresa APPLE passou a ser de US$ 1,88 trilhão, superior ao PIB brasileiro de US$ 1,84 trilhão, de 2019. Isso demonstra mais uma vez o fato, já mencionado aqui, de sermos um país sem projeto. O Brasil é a nona economia do mundo, mas ainda não consegue entender em que época está. Esse número nos fez lembrar alguns fatos dos anos 80/90, onde tivemos por momentos uma certa supremacia sobre esta empresa, pelo menos em termos tecnológicos.

Vivíamos uma época de ditadura e de fechamento de nossa economia. A computação pessoal estava se implantando no mundo inteiro e nós decidimos como política “reinventar a roda”. Não podíamos importar equipamentos de informática, no sentido de pretender fortalecer a indústria local. As indústrias nacionais se juntaram as universidades e centros de pesquisa para reinventar o computador pessoal. Ora isso não seria fácil, e por falta de tecnologia instalada anteriormente o recurso de que se lançou mão foi a cópia.

Foi a tônica do momento também em outros países, em meados dos anos 80. Especialmente nos tigres asiáticos, como muitos devem lembrar. Diferentemente dos primeiros PCs, desenvolvidos pela IBM, com patente aberta, os produtos da Apple eram difíceis de copiar, pois tinham características próprias, pensadas para tal. O Macintosh era alegadamente impossível de copiar ou clonar, entretanto uma empresa brasileira o copiou, por meio de engenharia reversa, de forma magistral, a UNITRON. Eles já tinham experiência em copiar produtos da primeira geração da APPLE, assim como a DISMAC, a MILMAR, a CCE e a MICRODIGITAL com o seu famoso TK 2000, todas empresas locais. Estas empresas se desenvolveram sob o guarda chuva da Lei de Informática, que fechava o mercado nacional de forma irracional.

 

O projeto do UNITRON Mac 512 exigiu porem um esforço muito maior, pois envolvia a inclusão de HDs especiais, acionadores de disquete, desenvolvimento de ROM, que resultou ser maior do que o original da APPLE, dentre outros itens, proibidos de importar. Todos estes componentes foram desenvolvidos aqui, com tecnologia de micro mecânica muito precisa, além dos insumos eletrônicos, os CIs, importados ou contrabandeados por alto preço. O desenvolvimento deste parque de fabricantes trouxe, inclusive, fabricantes de microprocessadores, para o país, que com o tempo e o mercado promissor, alimentavam esta demanda da indústria.

Com o governo Collor, estabeleceu-se a abertura do mercado brasileiro em geral. A Lei de Informática foi reformulada em 1991, abriu o mercado para as multinacionais do setor e permitiu a importação direta. Com isso esperava-se que houvesse a modernização do parque industrial pela cooperação das empresas de fora. Não foi o que aconteceu pois as empresas nacionais foram adquiridas, pelas "multis" e muitas foram fechadas sumariamente. Outras, viraram importadoras ou subsidiárias de fornecedores de produtos prontos. O parque industrial da informática brasileiro deixou de existir e com isso nossa capacidade de projeto, se esvaiu. Viramos meros montadores, utilizando os incentivos da Zona Franca de Manaus.

Antes disso, em 1988, tivemos um episódio bizarro, onde executivos da APPLE se mobilizaram, junto com o governo americano e poderosos advogados, para punir a UNITRON, pela sua ousadia em ter copiado, com sucesso, o Macintosh. O clima da época era o de demonizar as cópias, que o governo tinha incentivado, anteriormente. Isso, somado a ameaças de retaliação pelo governo americano, fez com que a UNITRON não pudesse continuar com o projeto. Esse episódio também originou em uma nova Lei do Software, na mesma época.

Tomando-se o exemplo dos chineses, que tem como política obrigatória, a junção de interesses de empresas, constituindo ”jointventures” entre empresas deles e multis, o nosso governo não tomou nenhuma medida semelhante. Se tivesse feito, poderíamos hoje ter o domínio tecnológico que os chineses têm e ainda ser fornecedores a essas empresas, como é a realidade deles. Os chineses foram grandes copiadores no passado, mas com as “jointventures” passaram de copiadores a desenvolvedores de sua própria tecnologia, dominando-a em muitos setores.

Temos, já de muito tempo, por falta de uma política governamental efetiva, deixado a indústria á míngua. Não utilizamos nossas capacidades, nossas possibilidades nem nossa inteligência plenamente. Persistimos em uma política limitada de commodities obtusa e unilateral. Se considerarmos que o valor de um iPhone é equivalente a oito toneladas de minério de ferro, podemos perceber o que estamos perdendo em valor agregado a nossa produção e em especial em domínio do projeto.

Temos perdido pesquisas, projetos realizados com sucesso, pessoal especializado, temos fechado centros de pesquisa e facilidades industriais já estabelecidas. Neste setor tivemos o CPQD Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Telebrás fechado, o CTI Centro de Tecnologia da Informática esvaziado, ambos em Campinas, SP, sem falar nas indústrias de CIs/Chips que deixaram o país, já nos anos 90 e nunca retornaram.

 Imagine o que estaríamos ganhando caso houvesse um desenrolar diferente, dessa história e tivéssemos aqui o parque industrial da APPLE, ou parte dele. O valor que mencionamos acima poderia estar em parte, incorporado ao nosso PIB. Além do que eles não teriam as ameaças que estão tendo de retirar suas facilidades fabris da China, com estão tendo agora.

 “..quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

 

Texto não publicado.

 

 

 

 

 

 

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Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009