Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Para não levantar!!!


Um dos mestres do design no Brasil , ao ser confrontado com um projeto de produto bastante elaborado, mas um pouco confuso, na critita nos disse uma frase lapidar, ao avaliá-lo: “A sua avó tem que entender”.

 Lembrei-me desta frase ao constatar nos Show Rooms e nas publicações especializadas mais recentes, da profusão de lançamentos de estofados contemporâneos em bloco, tanto sofás como poltronas. São modelos constituídos por blocos compactos de formas cubistas ou orgânicas, onde a área de sentar,é um bloco até o chão. Parece ser uma tendência atual de se fazer formas mais simplificadas e compactas, como se fossem pedras monolíticas, com encosto e sem braços, onde o usuário senta a trinta centímetros do chão, ou menos.

 Parafraseando meu mestre eu diria “Sua avó tem que sentar!” O que temos são verdadeiras maquinas de não se levantar. Já tentaram se levantar de um destes? Ainda mais quando não tem braços? Ou se é feito inteiramente de espuma, sem uma estrutura interna? Um verdadeiro suplício, ou um vexame, como presenciei em inúmeros casos.

 O design moderno parece que esqueceu um dos preceitos de sua existência. Dar conforto aos assentos que produz. Muitos acham que os ditames da Ergonomia sobre alturas de conforto e outras dimensões sugeridas na literatura não tem validade. Grande parte dos nossos profissionais não sabe o que significa “percentil”, termo muito freqüente em qualquer texto sobre Ergonomia.

 Como todos sabem, a população brasileira esta envelhecendo de forma rápida. Temos tido sérios problemas de saúde e sofremos com o etarismo de nossa população. Será que quando um idoso for comprar um estofado terá que ouvir “Você não tem mais idade para isso?”

 Muitos acreditam que a espuma, ou outro material de estofamento, quanto maior o volume melhor o conforto.Isso já foi desmentido por todos os especialistas. O designer Michel Arnoult já pontificava que há o “conforto duro” mas ergonomicamente correto. Quem já sentou em um sofá de alvenaria, muito comum nos anos 60, sabe que espuma não salva a dureza ou uma ergonomia ruim.

 Entretanto espuma em estofamento é sinal de conforto. Um dos problemas da espuma é sua origem: se modelada, a partir de blocos, ela deforma rápido, se injetada tem maior durabilidade, mas maior custo. Esse é outro problema: o custo!, os componentes da espuma têm origem no petróleo, que varia com o dólar. Quanto mais espuma, mais caro é o resultado. Reduzir a altura pode significar economia, mas e a funcionalidade, onde fica?

 As lojas de decoração e os “estofados da TV” fazem a cabeça dos usuários. As “formas de sentar, à paulista” ou “ à carioca” podem também ser definidoras. As formas fluidas que tem se popularizado mais como uma expressão do designer, do que um produto para o usuário, tem uma tendência à última. Pior, a maioria não tem braços, nem um recesso obrigatório na parte inferior do assento, junto ao chão, o que torna o levantar menos fácil ainda. Muitas vezes o encosto é muito baixo e tambem não ajuda.

Le Bambole com Mario Bellini - Anos 70 - B&B


No inicio dos anos 70, fomos visitar o designer italiano Mario Belllini em Milão.Tivemos o privilégio de ver o protótipo de seu famoso estofado, criado para a empresa B&B Itália, “Le Bambole”. Um modelo orgânico, todo feito em espuma injetada, sobre uma estrutura metálica invisível, que está a 50 anos no mercado, com grande sucesso. È desses que você é convidado a se jogar, ao sentar. Lembro-me de ele ter mencionado que era um produto para te envolver, mas que tinha incluído braços, estruturados para ajudar ao se levantar, além da altura do assento ser mais alta.Um autêntico estofado contemporâneo mas com todos os bons princípios de design e ergonomia.

Le Bambole com Mario Bellini - 2022 - B&B

Concordo que com os hábitos da sociedade moderna que o “se jogar no sofá”, passou a ser quase uma obrigatoriedade, para aliviar as tensões que vivemos no dia a dia, ao retornar a casa. Mas com os modelos que temos visto, na verdade...É para não se levantar mais!!!

sábado, 24 de fevereiro de 2024

E se gritarem “Fogo”???

Neste período pós-pandemia, temos observado certa urgência do movimento no retorno a aglomerações de todas as ordens. Festas, festivais, Carnaval, futebol.etc. Há reuniões em assembléias, igrejas, cultos, cinemas, teatros, estádios, etc. Essas reuniões nem sempre são em locais adequados a aglomerações, especialmente quanto à segurança. Poucas são as situações onde há preocupação com possíveis situações de pânico coletivo. Saídas de emergência, sinalização adequada, áreas de escape, extintores, mobiliário adequado, são raros e às vezes totalmente não existentes.

No item mobiliário cada vez mais se utilizam assentos precários, como cadeiras plásticas ou mesmo cadeiras fixas, tanto em instalações fixas como temporárias. Poucos têm noção de que este item vai além do conforto de oferecer um assento e pouco se preocupam com as conseqüências de uma situação de pânico Em caso em que ela existir, real ou imaginária, uma cadeira ou poltrona inadequada pode ocasionar mais acidentes do que o fogo ou a fumaça. Estes itens podem se transformar um ambiente de aglomeração em uma armadilha mortal para seus freqüentadores.Como quase aconteceu em um templo na região de São Paulo, não faz muito tempo!

Cadeiras isoladas podem se transformar em obstáculos a evacuação, com pessoas caídas e machucadas, sendo pisoteadas e até retardar a evacuação, criando situação em que sejam vitimas de asfixia,  de queimaduras ou mesmo de desabamentos, . 

Houve época em que auditórios necessitavam seguir normas de segurança, a NBR 9650, mas hoje dificilmente encontramos estes cuidados. São presentes apenas em auditórios de grandes empresas ou corporações e em universidades, alem dos cinemas de grandes redes. Dificilmente os auditórios, igrejas, shows de hoje em dia passariam pelas inspeções dos bombeiros, se solicitados.

Poltronas Audit e suas variações - MLMagalhães
As cadeiras de auditório têm características muito peculiares e precisam ser projetadas para situações, que não gostaríamos que acontecessem. Assim como no caso dos extintores de incêndio: devem estar lá, mas não deve haver necessidade em utilizá-los, a não ser em situações extremas que não queremos que existam.

                                                                                                                                 

As poltronas ou cadeiras de auditórios devem ser mais resistentes do que poltronas ou cadeiras normais. Devem ter assentos rebatíveis ou retráteis, afim de facilitar o acesso dos usuários, mas antes de mais nada facilitando sua saída em uma emergência. Devem ser fixas ao chão, de modo que não possam ser movidas de lugar, durante seu uso mas prevendo uma evacuação não se tornem obstáculos a movimentação dos usuários. No caso de possuir pranchetas, estas devem ser fáceis de guarda e resistentes ao mau uso. Precisam resistir a eventuais ações de vandalismo ou descontrole por parte do público já que nossa sociedade não é ordeira, especialmente em situações extremas. Um fator primordial é o uso de materiais fogo retardantes, no estofamento e no revestimento, ou auto-extinguíveis e que não produzam fumaça tóxica.

 Sob o ponto de vista do usuário elas devem prover conforto e funcionalidade que se resume em ergonomia correta, com apoio lombar, com angulação adequada e curva no encosto, proporcionando apoio diferenciado a diversas posições de sentar, adequadas a um grande percentil da população e a variadas faixas de idade. Devem prever manutenção rápida e fácil, e ter características acústicas também adequadas, fiuncionando tanto a ambientes lotados como semi ocupados.

Poltronas Sirius 2 - Chromma
 

 

 

 

 

 

Tivemos participação no design de diversas poltronas de auditório e sempre observamos a maioria destes itens, adequando cada projeto a seu uso e a uma faixa de custo condizente com seu fabricante ou  mercado ao qual se destinava. Mesmo assim temos que ampliar a discussão de como estes produtos são utilizados e percebidos pelo seu público e especificador. Segurança, adequação e conforto são direitos dos usuários e do público, qualquer que ele seja, e em qualquer situação.

 Mobiliário deve sempre poder ser utilizado com conforto e praticidade, mas nunca, em nenhuma situação, se transformar em ameaça ao seu usuário final.

Texto não publicado.


Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009