Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Goebel Weyne na visão de um amigo.

Foto: Noni Geiger 2001

Na cremação do Goebel, seu amigo, o arquiteto Jacó, colocou a mão no meu ombro e comentou inconsolável: “não vai haver outro igual”; constatação parecida à do Rodolfo, ao escrever que, apesar de toda pessoa ser insubstituível, Goebel é mais do que a maioria. E assim é pela combinação de características que conformavam uma personalidade absolutamente singular. Era generoso, desde a gorjeta extra para o garçom, até a disponibilidade para seus interlocutores. Era orgulhoso da amizade com o “Tom” (Jobim), o “Oscar” (Niemeyer), o “Rubem” (Braga) e muitos outros. Era também impulsivo, capaz de reações muitas vezes desproporcionais, mas nunca de todo infundadas. Era valentão. Cansou de xingar a mãe dos motoqueiros mais afoitos (e de peitá-los quando voltavam tirando satisfações). Alguns o achavam parecido com Walther Matthau. Talvez mais do que semelhança física, era o jeito gaiato de Goebel que sustentava essa comparação. Ele exercia a gaiatice com maestria. Se estivesse caminhando e conversando com alguém, e um grupo falastrão viesse logo atrás, era habitual relaxar o passo, deixando o grupo passar; praguejava então alguma coisa, e só depois retomava a conversa. Às vezes fazia isso, apontando para o céu, para “justificar” a parada repentina, fazendo com que os passantes olhassem todos para cima (desconfio que fazia essas coisas mesmo andando sozinho.). Desde quando o conheci, era rabugento e comicamente azarado (ou, o mais provável, fazia do azar algo cômico). Seu humor ia da fina ironia às histórias mais absurdamente escatológicas. Manifestava-se em causos, piadas, bordões (muitos!), caricaturas e apelidos, os mais hilários. Esses últimos, dava aos próximos, e não tão próximos, (muita gente até hoje não deve saber que teve um). 

Se em algumas situações me pareceu autoritário, intransigente, repetitivo, pernóstico, e até ingênuo; no mais das vezes, eu o considerava sábio, condição que hoje teria dificuldade em enxergar em outra pessoa. Não era só pelo conhecimento enciclopédico, pela memória privilegiada ou pela rapidez nas piadas, nas ideias e nas soluções; mas também pela presença de espírito gigantesca, pela capacidade de apreensão fora do comum e por um sagaz entendimento da natureza humana. Além disso, Goebel também era íntegro, reto e direto, como seus trabalhos. Normalmente, essas características se revelam em pessoas diferentes e em situações diferentes. No Goebel, se manifestavam em abundância e com autenticidade desde a primeira conversa mais demorada. 

Para os alunos que o aceitaram, foi um dedicado mestre. Certa vez ouvi (não sei de quem) que aprender com Goebel é como ter aula de guitarra com Jimi Hendrix. Também não sei o contexto exato desta afirmação, mas assim como seria difícil atinar Hendrix lecionando em uma situação formal de sala de aula, assim era com Goebel. Foi autodidata e se orgulhava de, por isso, ter escolhido seus próprios professores. Talvez por esta razão, seu didatismo fosse de natureza diferente da habitual. Não era um transmissor de matérias prontas ou um ‘ajeitador’ de layouts dos alunos, na base do “mais para cá, mais para lá”, como dizia. Com ele, não funcionava pedir comentários sobre um trabalho pronto ou resposta para uma pergunta pontual. Nada era pontual. Não estava interessado na pragmática imediatista e sim nas relações entre as coisas. Assim, o que funcionava, era ouvi-lo sem pressa. E para quem tivesse essa disponibilidade, além da aula de “guitarra”, aprendia sobre filmes, livros, músicas, por meio de uma sempre atordoante quantidade de referências. Aos seus alunos, interessava transmitir não a objetividade da resposta rápida (aprendida mais cedo ou mais tarde), mas aquela objetividade apoiada nas relações, nos paralelismos e nas conexões entre conceitos e coisas, base de qualquer conhecimento em design. Considerava que, no entendimento dessas relações, está a justificativa para um design menos camuflado na grandiloquência de estilos pessoais ou modismos e mais sustentado pelo conceito forte e pela inovação, ainda que sutil. Nesse sentido, suas “aulas” eram uma demonstração de como as coisas, sendo mais simples, seriam mais elegantes. Era-lhe importante atravessar a camada barulhenta das ideias prontas e clichês para revelar as estruturas subjacentes. Nesta escala elementar, na escala das coisas simples, estaria a verdadeira novidade do design. Não se tratava de mero conceito teórico, e sim de um princípio exercido com maestria na sua própria prática, ou melhor, proveniente dela. 

Com todas as contradições que isso acarreta, foi um designer moderno por excelência. Simples, objetivo, metódico, preciso, alemão, suíço, ulmiano, mas brasileiro e cearense. Aqueles que enxergam no design dito racional, uma relação necessária com o clima frio e uma suposta sisudez e introspecção europeias, reivindicando um contraponto “quente” para um design genuinamente brasileiro, o trabalho e a pessoa de Goebel podem confundir. Quem o conheceu sabe que estava longe de qualquer sisudez ou introspecção. Nascido no nordeste, era também grande conhecedor de sua rica cultura; mesmo assim, não baseou seu trabalho nas raízes nordestinas. Escolheu suas referências por convicções projetuais e não pela sua personalidade ou por ideais nacionalistas. Aprovado em Ulm, não conseguiu bolsa para a família e não cursou a escola alemã, mas, ainda assim, tornou-se mais ulmiano que seus egressos. Acreditava que, se houvesse algo como design nacional, não seria por uma derivação direta de simbolismos e trejeitos estereotipados e sim, mais provavelmente, pelo modo particular como alguns grupos interpretam certos princípios universais de projeto, daí sua admiração e identificação com a HfG Ulm. Além disso, para quem vê o design racional como mera replicação de modelos pré-existentes, novamente a produção de Goebel é um contraponto. Todo bom design se revela pela capacidade de invenção, e nisso Goebel foi excepcional. Não lhe interessava a auto-expressão, e sim revelar um aspecto crucial que comunicasse o espírito do problema com que estava lidando (um cartaz, uma revista, uma exposição...). Isso acontecia não só pelo reconhecido rigor no uso dos recursos formais, mas também pela cuidadosa escolha dos signos (como gostava de chamar os elementos com que trabalhava) e pela engenhosidade e simplicidade com que programava os critérios para a sua articulação. Resultando em algo visivelmente derivado de uma programação, mas de grande interesse estético, reservado sobretudo ao observador atento, a quem surpreendia pelas pequenas, mas eloquentes, partículas de invenção. Nisto, nunca foi modesto, “Sou um homem de ideias” repetia com frequência. De fato, ideias e ideais. Comunista, moderno, modernista. Acreditava no design, e na ideia da escola que ajudou a criar. Talvez por isso tenha sido seu crítico ferrenho. Suas convicções de certo o prejudicaram em várias ocasiões, mas não era do seu feitio fazer concessões. Foi sobretudo um homem corajoso. Talvez sua maior grandeza foi ter tido coragem para viver a vida de acordo com suas convicções. 

Apesar de cioso da correção nas informações sobre sua biografia (espumava com as frequentes referencias erradas) não se interessou em preservar seu passado, de modo que muitos dos trabalhos que o colocariam no lugar que lhe corresponde no Design, desapareceram em parte ou no todo. O que seria visto como displicência, na verdade, pode revelar uma profunda identificação com a ideia de projeto como antecipação do futuro (“pro.jeto”), distante assim de qualquer ideia de retorno ao passado. Infelizmente, o futuro lhe surpreendeu. A vitalidade de Goebel aos 79 anos nos fazia crer, que o inevitável destino de todo homem, mais do que “poderia”, “deveria” ter esperado mais um pouco. É duro quando uma personalidade assim, simplesmente, deixa de existir.

Texto de Luiz Arbex, ex-aluno e amigo, publicado no Facedbook em 20/12/2012 e no SINAL 466, por ocasião do falecimento de Goebel Weyne.


Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009