Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

sábado, 28 de maio de 2011

Designers e Associações

Os designers brasileiros tem uma história associativa de altos e baixos. Nossas associações tem muito baixa representatividade, desde seus primórdios. Quase simultaneamente ao surgimento dos primeiros cursos foi criada uma associação profissional e promocional com o objetivo de atender à necessidade corporativa dos designers. A ABDI Associação Brasileira de Desenho Industrial, estabelecida em São Paulo nos anos 60, mesmo com uma atuação intensa em seu inicio, ficou a desejar quanto a uma efetiva representatividade profissional. As associações que se seguiram também sofreram deste problema, desde a APDINS, as APDIs, a AND, bem como as até hoje existentes ADG e AEnD.

Por paradoxal que seja os estudantes tem tido um comportamento exemplar em termos de organização, especialmente com os NDesigns, Encontro Nacional dos Estudantes de Design que se realizam ininterruptamente desde 1990. É o evento itinerante da área com a maior longevidade realizado no país, sempre no mês de julho. Com a disseminação de mais de 500 escolas e cursos pelo país inteiro, os alunos se reúnem neste evento para participar de conferências, workshops, minicursos e exposições de trabalhos onde trocam suas experiências de aprendizado, em um numero de mais de 2000 participantes em média. Para organiza-lo foi criado um conselho o CONE, que se constituiu como uma associação estudantil, de representatividade nacional.

O curioso é que não há uma transferência deste envolvimento intenso dos estudantes, quando se tornam profissionais. Poucos se associam às associações existentes enfraquecendo assim a representatividade profissional,...infelizmente. Como as associações tem altos e baixos há sempre uma associação da vez, uma que funciona “melhor”do que as outras, atraindo assim o interesse de um grupo de profissionais que a ela se associam, relegando as outras a segundo plano. Tivemos desde os anos 80 o “reinado” da ADG Associação dos Designers Gráficos, o da AEnD Associação de Ensino de Design e agora temos o da ABEDESIGN Associação Brasileira das Empresas de Design. Além disto temos algumas associações menores e de âmbito restrito ou regionais, com por exemplo, a ADP Associação do Designers de Produto, a ApeDesign Associação Profissional dos Designers do Rio Grande do Sul, a ADEGRAF Associação dos Designers Gráficos do Distrito Federal, dentre outras. Todas padecem do mesmo problema, poucos sócios efetivamente participantes, pouca arrecadação e baixa atividade. Todas têm pouca ligação com os estudantes, que poderiam e deveriam ser seus futuros sócios, garantindo assim presença e representatividade junto a sociedade. Afinal nós designers existimos para servir a ela!

Isso precisa ser urgentemente revertido, com reflexos diretos na sobrevivência da profissão e dos profissionais. Uma organização forte e coesa do design pode render frutos à profissão nunca dantes imaginados. Além de, eventualmente, podermos reivindicar incentivos como carências ou redução de impostos, poderemos nos proteger quanto a uma eventual entrada de mão de obra vinda do exterior, já que há uma crise evidente cercando os países desenvolvidos. Ë possível que, com o desenvolvimento de nossa economia nos tornemos alvos de designers, vindos destes países ou mesmo de nossos “hermanos” vizinhos, tão talentosos quanto "nosotros".

Ainda teremos a questão do retorno para o associado. Esta é uma questão ainda por resolver, pois além da posição política as associações devem promover algum beneficio para atrair e manter seu quadro de associados estável. A ADG por muitos anos promoveu com sucesso as exposições bienais de design gráfico, o que nestes anos fazia crescer os seus associados adimplentes. Há outras ofertas possíveis e já tentadas, como planos de saúde, descontos em compras profissionais, publicações e aconselhamentos , assistência legal e jurídica, festas e comemorações, cadastros de profissionais e de portfólios, sem falar em sites e news letters de interesse específico e geral. Há vários casos de organização de concursos, endosso a eventos e interlocução governamental onde as associações têm promovido sua participação junto a sociedade e a classe.

Ainda temos essa pulverização entre associações especialistas e regionais ao invés de uma grande associação nacional. Sou da opinião que isso deve ser mantido por algum tempo, até a consolidação deste processo de fortalecimento. É melhor termos pequenas associações atuando de forma consistente do que uma grande associação com risco de sobrevivência por falta de associados. Nos outros países há uma tendência das associações especialistas se unirem, independente da área de atuação, o que vem acontecendo progressivamente também com as entidades mãe, ICSID, ICOGRADA e IFI, que já se utilizam de uma sede única, promovem congressos em conjunto e praticam um código de ética em comum.

Os designers brasileiros tem que se conscientizar que formam um corpo profissional, e que ao serem diplomados passam a fazer parte de uma classe que contribui para a melhoria da qualidade de vida do pais e de sua população. Essa classe precisa de respeitabilidade política, se fazer presente ante as instituições publicas ou privadas, especialmente neste momento em que temos um novo projeto de regulamentação em tramitação no Congresso.

Designers, unam-se, associem-se ou seremos tragados pelas circunstâncias, sem dó nem piedade!

É chavão mas ...“unidos jamais seremos vencidos!”

Texto não publicado

2 comentários:

  1. A proposta do LAD vem bem ao encontro dessas necessidades de união entre profissionais, professores e estudantes. Além disso, ao invés de ser mais uma associação, é um agregado onde as ideias do design serão compartilhadas e por isso mesmo, disseminadas e valorizadas. Nós faremos em todos os nossos eventos a promoção das associações que queiram nos apoiar e poderemos ser realmente o grande incentivador para a participação dos agentes interessados nas associações.
    É uma ideia promissora e esperamos que todos se engagem nela... também...

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  2. Excelente post! Daqueles que nos motivam a ir em frente, driblar as dificuldades sócio-econômicas e seguir acreditando no Design.

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Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009