Design é qualidade, é conhecimento, é cultura.
Design serve para melhorar a vida, adicionando valor a nossa cultura material. Neste espaço queremos discutir alguns destes tópicos, especialmente em relação a realidade brasileira.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Expertise de francês para o Metrô do Rio?


Na revista Railway Interiors deste mês anunciam que no próximo dia 15 de novembro, na Railway Interiors Expo em Colônia, Alemanha, vai ser apresentado o novo projeto dos carros do Metrô do Rio de Janeiro, pelo escritório francês MBDDesign. Trata-se de um escritório de design especializado em design de transportes, notadamente transportes ferroviários, que possui em seu currículo alguns projetos de trens e metrôs de cidades importantes como Marselha, Nanjing  e Singapura.

Ora a pergunta é porque afinal um escritório de design francês está desenhando os carros do Metrô do Rio?  Será que não temos nenhum escritório de design habilitado em nosso país que possa fazer este tipo de projeto? Que critérios foram utilizados para escolher o MBDDesign e não algum outro também habilitado a realizar este projeto. Foi realizada uma concorrência pública internacional? Foi o menor preço? Foi o notório saber? Quem decidiu pela contratação? Quanto isso está nos custando?

Frente Metrô Rio (V&V)
1º Interior - Metro Rio (V&V)
Os Metrôs do Rio e de São Paulo, bem como os de outras cidades do país foram implantados na década de 70, todos com tecnologia importada, já que não a tínhamos disponível, mas com design nacional e que se mostrou adequado, de muito boa qualidade e eficiência. Os projetos iniciais do Rio e de São Paulo foram executados pelo escritório Verschleisser / Visconti do Rio de Janeiro e a segunda fase pelo escritório GAPP de São Paulo, com soluções que estão presentes nos carros que circulam até os dias de hoje e que tem se mostrado muito eficientes.
1ª Frente - Metrô SP (V&V)
2ª frente - Metrô SP (GAPP)
Poderíamos dizer que há uma necessidade de renovação nestes projetos e que deveríamos optar por alguém mais sintonizado com os novos tempos ou com novas necessidades. Neste caso porque não procurar entre os inúmeros escritórios nacionais alguém que já tivesse uma “expertise” próxima ao problema? Podemos lembrar, dentre outros, de Guto índio da Costa, designer premiado que já apresentou um projeto de transporte revolucionário, ou mesmo de Bruno Batella, designer carioca responsável pelos interiores dos trens suburbanos do Rio, fornecidos pela Coreia. Além deles temos inúmeros profissionais com experiência em transportes rodoviários, com uma problemática muito próxima do transporte ferroviário, que poderiam executar um projeto deste porte sem nenhum problema, vide exemplos de empresas de atuação internacional como Marcopolo, Caio, Busscar, etc. Lembremos também que todas as montadoras multinacionais de veículos têm equipes eficientes de designers atuando no Brasil, exportando design com sucesso para outros mercados.

No caso de ainda assim necessitarmos de “expertise” internacional deveria se procurar encontrar alguém mais sintonizado com a realidade brasileira, já que um designer parisiense por mais internacional que fosse teria problemas em entender o “carioca way of life”. Podemos mencionar dois escritórios de designers experientíssimos e que conhecem muito bem nossa realidade: Alexander Neumeister da neumeister+partner que vive parte do ano em Munique e parte no Rio de Janeiro desde 2000, onde já possuiu sociedade no escritório NCS Design. É um dos maiores experts em trens do mundo e conhece como ninguém a realidade brasileira. Podemos ainda mencionar a escritório de Thomas Haslacher, nascido e educado no Brasil, do escritório haslacher+partner, também de Munique que à mais de 20 anos é um dos maiores especialistas no assunto. Thomas estudou por curto período na ESDI, no Rio tendo se formado em design na Alemanha, mas com profundas ligações com o país.

Admitamos que por qualquer outro motivo justificável tivéssemos que trabalhar com o escritório parisiense. Neste caso não se deveria propor uma parceria com algum escritório brasileiro, no sentido de facilitar a transferência desta “expertise” ao país, adequando-se o projeto a nossas características e peculiaridades? Isso com certeza facilitaria a rápida absorção do projeto, prevendo-se novas aplicações futuras, adaptações, manutenção e expansões necessárias, com custos menores e maior agilidade na sua aplicação. Os chineses, que tem se utilizado largamente de design vindo do exterior, tem feito assim, no sentido de absorver “know how” de forma rápida e eficiente. Porque não fazemos o mesmo? Estamos perdendo mais uma oportunidade de formar nossa própria “expertise”!

A mim parece que este caso sinaliza simplesmente que continuamos com nosso velho pensamento colonizado, onde o futuro é, e continua sendo, feito na metrópole. Continuamos com a síndrome do “Yes Bwana”, onde tudo que vem de fora é sempre melhor do que as soluções nacionais que possam ser propostas.

Quando vamos aprender que o futuro se faz aqui e agora?!

Texto não publicado.

4 comentários:

  1. Isso acontece com frequencia no meio ferroviário e posso te dizer, com conhecimento de causa, que os dirigentes que fazem essas escolhas (que normalmente estão sentados na cadeira por mera indicação política), não têm a menor idéia do que seja design. Escrevi um dissertação de mestrado sobre isso. É uma pena.

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  2. Freddy, algumas retificações:
    A 2ª Frente na realidade é a terceira e não é a da GAPP. A frente GAPP é que é na verdade a segunda. Esta que aí está é da Alston e foi desenvolvida como uma evolução da da GAPP. Na frente que desenvolvemos o vidro era menos, apesar de ser o maior possível na época, e ficava num recesso para proteger o operador do Sol. Era o trem da leste/oeste e iria circular bons trechos a céu aberto. Também não havia aquele trambolho de ventilador no interior da cabine. Jamais permitiríamos uma história desta. A ventilação era por um sistema bem complexo e "limpo", pois esse era o lema da GAPP - limpeza formal. Sérgi Kehl, apesar de engenheiro tinha este tipo de preocupação, o que era ótimo. Aliás, foi um outro engenheiro, junto com Bornancini, que deixou uma boa contribuição ao design brasileiro.
    Quanto ao escritório de design francês é fácil de entender. A Alston é dona da ferrovia no Brasil de hoje, lá se foram Sta. Matilde, Cobrasma e Mafersa. Assim a Alston compra design na França ou adapta o que se tem por aqui. Vale lembrar que essa frente é baseada no desenho GAPP do mesmo modo que adotou nos novos carros de Buenos Aires o sistema de pegador que desenvolvemos para SP, Recife e Belo Horizonte, com a colaboração do Itiro Iida. Aqui não consigo postar fotos, mas tenho todas, inclusive de Buenos Aires.

    João Bezerra de Menezes

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  3. João, as suas observações são pertinentes e já retificamos a imagem da frente do Metrô SP. O importante é mostrar que a expertise existe no país e não pode ser ignorada, mesmo que haja um desejo de trabalhar com alguem de fora.

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  4. Olá Freddy, parabéns pelo post! São de extrema importÂncia esta avalização, ainda mais referente ao transporte brasileiro, que sabemos que é um caos, ainda mais preocupante com dois grande eventos chegando no país. Sou designer e possuo um projeto de graduação, que são módulos suspensos para o transporte coletivo. Já apresentei o projeto para para as autoridades políticas aqui em Vitória/ES, pois não concordo com o modelo de BRT que estão tentando implantar em nossa cidade. Gostaria que vocÊ analisa-se o projeto, em anexo o link: http://guilhermepella.carbonmade.com/projects/2845359

    GRato
    Att.
    Guilherme Pella
    Designer

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Design e a miopia estratégica

O pais vive nesta virada do ano uma época de euforia, a economia estabilizada, a oferta de empregos, as exportações, as descobertas de petróleo, o IDH, as vendas de natal, estão fazendo todos enxergarem um futuro cor de rosa.

Simultaneamente continua havendo uma visão truncada quanto a nosso desenvolvimento industrial, especificamente no que se refere ao design. Quando foi criado o Programa de Qualidade e Produtividade esqueceram de incluir o design, o que não aconteceu em qualquer outro pais do mundo. Mais tarde criaram o Programa Brasileiro do Design para concertar o erro, uma iniciativa claudicante de governos passados e que mesmo no governo atual nunca conseguiu dizer a que veio. Mais recentemente na divulgação do PAC da Inovação novamente esqueceram do assunto já que no seu texto não há uma palavra sobre design. Falou-se de patentes, de inovação mas o design foi solenemente ignorado, como se ele não fosse parte da tecnologia e da inovação.

O descaso com o design por parte das federações de indústria e do comércio e de nossa classe política beira o absurdo, e nas raras ocasiões onde se manifestam sobre o assunto parecem estar fazendo favor ao design e aos designers. Nossa classe dirigente ignora solenemente o potencial de valor agregado que o design pode trazer para nossa produção, em todos os níveis.

Por outro lado o Design Excellence, uma iniciativa da Apex, que organiza nossa participação no If da Feira de Hannover continua premiando o design brasileiro no exterior, além de outros 30 concursos regulares de design, dão visibilidade de inegável qualidade ao design nacional. Apenas as indústrias multinacionais e algumas empresas nacionais mais iluminadas tem se beneficiado da qualidade do design nacional, o que também atesta nossa capacidade na área. Apesar disso não encaramos o design como um fator estratégico do desenvolvimento industrial, como o fazem Coréia, a China, e o Japão mais recentemente e a Alemanha, Itália, o Reino Unido e os paises escandinavos na metade do século passado.

Até quando o governo vai ignorar o design como estratégia? Até quando o pais vai teimar sistematicamente em não utilizar deste instrumento de desenvolvimento? Até quando vamos dispensar o fator de geração de valor agregado mais barato e eficiente que existe? Até quando vamos deixar de nos beneficiar de utilizar o design como fator de melhoraria de nossa produção e de nossa qualidade de vida?

A maioria do empresariado de capital nacional precisa corrigir sua miopia crônica em relação ao design. Necessitamos com urgência de uma verdadeira cirurgia para eliminar a miopia estratégica a respeito do design em nossa classe dirigente e em nosso meio produtivo. Não há óculos que dê mais jeito!!

Texto publicado no Site http://www.abedesign.com.br/
05.2008



O legado de José Carlos Bornancini (1923-2008)

Quem não tem ou teve um produto desenhado por Bornancini em casa? Uma tesoura Ponto Vermelho, uma faca Corte Laser, uma garrafa térmica Termolar ou quem sabe foi alimentado pelos pais com o Talher Criança.? Quem valida seu Cartão nos ônibus do Rio de Janeiro e de outras cidades, não deve saber que diariamente entra em contato, até por mais de uma vez, com um produto desenhado por este pioneiro do design brasileiro.

Este engenheiro por formação, professor e designer por opção conseguiu nos demonstrar que o design brasileiro tem qualidades, respeitadas inclusive no exterior, muito antes de termos profissionais aqui formados e antes ainda da atual fase de reconhecimento pela qual, afinal, estamos passando. Sozinho, com seu sócio ou liderando equipes, desde os anos 50, conseguiu superar as resistências atávicas do industrial de capital nacional (e multinacional) a melhorar seu produto com um projeto coerente, racional, ergonômico e também belo quando era necessário, isso sempre sem cópia. Ao contrario demonstrou que o nosso produto por ser bom, pode ser copiado, já que teve inúmeros casos de contra-facção de seus projetos inclusive na Alemanha, berço histórico do bom design.

Bornancini e Nelson Petzhold estiveram na ESDI em maio de 2003 e proferiram a aula inaugural onde falaram de seu trabalho, enfatizando o uso da percepção visual, o foco na inovação e na coragem de inovar, como forma de contribuir para um mundo melhor.

Bornancini nos deixou, no dia 24 de janeiro. Com ele se foram muitas boas idéias, muitos ensinamentos, a companhia sempre agradável de uma verdadeira unanimidade, e algumas das mais divertidas tiradas sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Bornancini nos deixou a crença que, se tudo que ele realizou em sua época foi possível, será possível levarmos o design brasileiro no futuro ao respeito que ele merece, mas sem nunca perder o humor!

Foi uma honra e um privilegio enorme termos convivido com Jose Carlos Bornancini.

Texto publicado no newsletter "Sinal" http://www.esdi.uerj.br/sinal - Janeiro 2008

Um Design Onírico?


Em uma segunda feira de sol radiante eu me preparava para subir no avião com destino a São Paulo e me perguntava porque estávamos ali na pista, quando todos os “fingers” do Santos Dumont, recém reformado, estavam ociosos. Perdoei o fato pelo sol de outono que tínhamos a nosso dispor, sabendo o tempo que iria encontrar na capital paulista. Me ajeitei na poltrona do corredor que sempre utilizo quando um senhor, elegante e bem vestido, me pede licença para sentar na poltrona da janela destinada a ele.

O avião levanta vôo e admiramos a paisagem esplendida do Rio em sobrevôo matinal, que sempre deixa qualquer um de boca aberta. O senhor me da um sorriso e faz um comentário sobre o design da cidade, o que me apresso a concordar pois este é meu terreno. O design e o Rio. Faço alguns comentários sobre a qualidade do nosso design, ele me pergunta o que faço e relato brevemente minha atuação de meio designer e meio professor. Ele me diz que a sua empresa se utiliza muito do design e se apresenta como Manuel, de sobrenome indecifrável, presidente da GM do Brasil.

Admirado me animo com a conversa, já que conheço o departamento de design da empresa, onde por coincidência, trabalha um ex-aluno nosso e com os quais tivemos vários contatos. Até desenvolvemos no passado projetos em conjunto com nossos alunos, com suporte da empresa , como um interessante projeto de interior de automóvel destinado ao publico feminino. Somos interrompidos pelo serviço do micro lanche do serviço de bordo e comento que já tivemos dias melhores na Ponte Aérea. Ele ri e menciona que sabíamos administrar e contornar melhor a escassez típica de um país em desenvolvimento.

A conversa continua animada e pergunto por projetos atuais, nestes tempos de crise, de escassez de recursos, de excesso de cautela, de paralização de idéias. Ele me responde que estamos numa época de expectativas, enrola um pouco o papo e percebo que não pode revelar idéias corporativas. Para enfatizar meus argumentos, e dar uma de cara informado, relembro a ele que o departamento de design da empresa dele já teve atuação destacada em projetos de sucesso, como o Celta e o Prisma, por exemplo, que são projetos inteiramente nacionais e que até geraram um novo modelo de produção. Relembro a frente do projeto Sabiá, uma “pickup” conceitual apresentada em salões do automóvel internacionais e que foi aplicada em toda a linha Opel, da época. Falo das sucessivas remodelações da linha Corsa e Astra bem como de outros projetos pontuais que sustentam a imagem da empresa no Brasil e no exterior além do excelente estúdio de realidade virtual que possui atualmente.

Animado, faço ainda algumas considerações sobre designers brasileiros de empresas concorrentes, como a Volkswagen e da Fiat que atuam com sucesso no exterior e de novos players no mercado brasileiro, como os franceses que recentemente estabeleceram centros de design no Brasil. Ele se mostra impressionado com o meu entendimento do assunto e concorda com a nossa eficiência em termos de design automobilístico. Eu, meio bobo com meu desempenho, começo a extrapolar e coloco em questão o fato de não entender porque não temos uma montadora de capital verdadeiramente nacional, onde o design brasileiro fosse reconhecido, plenamente. Ele então, não se contendo, se aproxima de mim, por sobre a poltrona do meio vazia, e me confidencia em voz baixa que talvez estivéssemos próximos disso naquele exato momento. Dá a entender que a filial nacional da GM esta para ser vendida a um forte grupo nacional, neste processo de concordata que a GM americana está vivendo. Sem ser muito explicito dá a entender que está indo negociar o fato naquele dia. Eu o encaro meio atônito por ter me revelado este segredo e fico cheio de esperança, imaginando que nosso design automobilístico finalmente poderá ter o reconhecimento que os japoneses, os coreanos ou mesmo os recém chegados indianos e chineses, tem, mesmo tendo começado muito depois de nós.

Nos aproximamos de São Paulo e o aviso dos cintos e dos aparelhos eletrônicos proibidos ecoa pelo avião. Trocamos cartões e finalmente vou decifrar aquele nome inaudível lá do começo. Quando fixo meus olhos míopes no cartão, percebo estar sem óculos e começo a ouvir um ruído estranho e persistente.

Me assusto muito pois parece um ruído de emergência e a repercussão de uma tragédia aérea recente ainda está presente na memória. Descubro ao mesmo tempo aliviado e decepcionado que é o meu celular me despertando para um novo dia de trabalho onde vou encarar mais uma turma de alunos, tendo que convencê-los que fazer design no Brasil vale a pena. Será um sonho? Coloco os óculos e me levanto, como faço todas as amanhãs.

Texto não publicado - Junho 2009